quarta-feira, 9 de março de 2011

O Oriente

Detalhe do Salão dos Embaixadores em Sevilha (imagem de viagem.uol.com.br)

         Como disse outro dia à minha amada, com palavras diferentes, eu acho, acredito piamente que sou como um desses rios que correm para o nascente. Assim, sem grandes pretenções, eu já seria, de nascença, um "rio bonito", segundo o conceito de um renomado senhor chamado Riobaldo. Meu nariz, porém, não nega essa filiação. O que eu dizia ou queria dizer era que ao sabor dos ventos que dobram folhas de livros, vou me escorregando para o leste, ligando uma palavra a outra, um livro a outro, uma paisagem a outra, uma música...
          Oito meses atrás tomei um susto quando Edward W. Said me provou que eu achava que o Oriente era uma dançarina de dança do ventre. Exageros preservados, aprendi definitivamente o sentido da palavra inventar, com todas ou quase todas as suas implicações ideológicas. Ampliando e negociando o aprendizado com Said: o norte-americano é um gordo com um hot dog (ou dois) na mão; o Brasil é mais complexo: uma bunda, uma bola, uma floresta e um tambor; a África é um conjunto de tribos rivais. É fácil. Não sei o que é a Inglaterra, mas consigo inventá-la para os meus propósitos: terra de homens narigudos, de péssimo humor e de mulheres tão feias quanto os homens. Para finalizar o homem inventou a mulher. Claro que todas essas invenções não podem ser percebidas como invenção, devem parecer ocorrências naturais. Claro que quem inventou a mulher foi Deus.
           Contudo, prefiro estudar e controlar as invenções. Meus estudos, como disse, de página em página, me levam ao Oriente: da metafísica do sertão de Rosa ao Babilônico Enuma Elish; do tarô de Marselha ao tarô egípcio; da música da Andaluzia de Lorca à de Kandahar, no Afeganistão. Nesse caminho vou percebendo como que sutilmente a invenção tenta, subliminarmente, ocultar o que está mas não gostaríamos que estivesse em nós. Creio não se tratar de esconder o nariz, mas dizer firmemente que o maior é o do outro. A abjeção nos leva a não querer nem pensar que podemos parecer com o outro. Jogamos no outro tudo que não queremos que seja reconhecido em nós e, então, advinhem: inventamos o monstro. Porque, claro, não somos monstro, nem gordos, nem bundas, nem tribos...
            Esses construtos ideológicos possuem camadas tão sutis e elaboradas que conseguem esconder até mesmo o nariz. Quero dizer: fazer calar todas as formas de expressão resistente, silenciando-as a tal ponto de serem-lhes negadas a capacidade de dizer quem são. Perdem a voz e a possibilidade de se representar. Vale dizer: de também terem a possibilidade de inventar. A única possibilidade para quem está à margem do discurso hegemônico é viver a vida que lhe é definida pela voz dominante. Mainstream, para usar a língua do César. O problema é que eu sei, e devo ser dos que mais recentemente ficaram sabendo, de quem é esse nariz tão grande.

Nenhum comentário:

Postar um comentário