sábado, 12 de março de 2011

As Psicologias das profundezas

Tela de Rubens Gerchman

"Quero o que antes da vida foi o sono das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes" (Adélia Prado).

Se fosse possível se falar em pensamento agora (sem discussão prévia), pensaríamos que o "mundo objetivo" é apenas aparência. Pois que sem o olhar humano, não teria existência ou teria no máximo uma existência letárgica, para usar palavras de Hegel.  O que faz com que todas as coisas existam é justamente o que não é apenas objeto: o olhar humano. É possível entender de modo contrário e acreditar que é o objeto que forma o olhar, mas creio que se perderia assim todo o sentido da humanidade, até ao limite da busca para humanizar o inumano combate, para usar palavras de Kazanzakis. Dito de outra forma, as coisas existem para o homem, que possibilita que se projetem para fora de si mesmas, saindo da letargia. No caso específico do objeto-homem a questão se complica um pouco mais: a) ao lançar seu olhar sobre a natureza, duas "realidades" se lhe apresentam: uma que intima seus sentidos e outra que modula as aparências; b) ao lançar seu olhar sobre a natureza humana, outra "realidade" lhe salta aos olhos: a diferença primordial, o mal-necessário da consciência de pertencer mas ser diferente e c) ao lançar seu olhar sobre si mesmo, outra "realidade" o sufoca: como objeto, precisa de outra "realidade", agora subjetiva e fora dele, que o reconheça, antes como objeto, depois como sujeito; como sujeito, precisa ainda daquela mesma "realidade" subjetiva fora dele, para o mesmo fim e de sua própria subjetividade criadora de sentidos.
Pelo que se vê, trata-se talvez de camadas de aparências que vão sendo desveladas pela ascenção do sujeito, até a transcendência, primeiro dos sentidos e, depois, da própria consciência, que resulta no sentimendo do mundo. Nesse desvelamento é o próprio homem que está sendo exposto. Das folhas até abaixo das raízes, agora pensando no fragmento acima, de Adélia Prado. Chamo a atenção para as palavras, para nós, sinônimas, "sono" e "semente". Entre os vários estados do homem, a busca do ser quererá a simplicidade e totalidade de concentração da semente, que coincide com a suspensão da consciência no sono. Agora de algumas, uma: a) totalidade é um estado de inconsciência perdida e de que se tem saudade (o tempo da semente, que concentra em si (potencialmente, infinitamente, para usar palavras de Bandeira) toda a possibilidade de existência que se pode conceber; b) a totalidade é um estado de plena consciência da finitude e de eufemismos ou de conciliação com o tempo, para usar palavras de Durand); d) a totalidade é um eterno "vir a ser", seja como for concebido; e) a totalidade está na transposição das imagens do insconsciente levadas para a vida consciente, como fundamento de ser do homem, fonte da sua razão de ser como espécie ou grupo (de "um inconsciente vivido", para usar palavras de Jung). De qualquer forma, creio que é o inconsciente o repositório das imagens que mais facilmente dá conta da totalidade das coisas (por via dos homens, obviamente) e do próprio homem. Por fim (apenas de mais um estado), vale dizer que abaixo das "raizes", na "semente", na "vida", no "sono" e acima das folhas está presente a mesma matriz imaginária que nos faz lembrar "da graça de um estado". Provisório?

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