sábado, 26 de março de 2011

Jung II - Deslocamento de imagens

"The dance in the seaside" - Edvard Munch (1863-1944)
"Não importa até onde o homem estenda os seus sentidos, sempre haverá um limite à sua percepção consciente" C.G. Jung, O Homem e seus símbolos, p.23.


Os limites, porém, assim como as imagens, se deslocam.


"Há muitas razões para esquecermos coisas que notamos ou experimentamos. E há igual número de maneiras pelas quais elas podem ser relembradas. Um exemplo interessante é o da criptomnésia, ou 'recordação escondida'. Um autor pode estar escrevendo de acordo com um plano preestabelecido, trabalhando num determinado argumento ou desenvolvendo a trama de uma história quando, de repente, muda de rumo. Talvez lhe tenha ocorrido alguma nova ideia, ou uma imagem diferente ou um enredo secundário inteiramente inédito. Se lhe perguntarmos o que ocasionou esta digressão ele não será capaz de dizer. Talvez nem mesmo tenha notado a mudança. , apesar de ter escrito algo inteiramente novo e do qual não possuía, aparentemente, nenhum conhecimento anterior. No entanto pode-se, muitas vezes, provar-lhe que o que acabou de escrever tem uma enorme semelhança com o trabalho de um outro autor - trabalho que crê nunca ter visto.


Eu mesmo encontrei um exemplo fascinante deste processo, no livro de Nietzsche, Assim falava Zaratustra, onde o autor reproduz quase literalmente um incidente relatado num diário de bordo, no ano de 1686. Por mero acaso eu havia lido um resumo desta história num livro publicado em 1835 (meio século antes do livro de Nietzsche). Quando encontrei a mesma passagem em Assim falava Zaratustra espantei-me com o estilo, tão diverso do de Nietzsche. Convenci-me de que também Nietzsche lera aquele antigo livro, apesar de não lhe ter feito qualquer referência. Escrevi à sua irmã, que ainda vivia naquela ocasião, e ela confirmou que, na verdade, o livro fora lido tanto por ela quanto pelo irmão, quando este tinha 11 anos. Verifica-se, pelo contexto, que é inconcebível pensar que Nietzsche tivesse qualquer ideia de estar plagiando aquela história. Creio que, simplesmente, cinquenta anos mais tarde, a história entrou em foco na sua consciência.


Em casos desse tipo há uma autêntica recordação, mesmo que a pessoa não se dê conta do fato. A mesma coisa pode ocorrer com um músico que tenha ouvido na infância alguma melodia folclórica ou uma canção popular e que vem encontrá-la, na idade adulta, presente como tema de um movimento sinfônico que está compondo. Uma ideia ou imagem deslocou-se do inconsciente para o consciente" C.G. Jung, O Homem e seus símbolos, p.37.

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