terça-feira, 22 de março de 2011

Formalismo russo IV


FORMALISTAS RUSSOS
TERCEIRA PARTE - A NARRAÇÃO

Sobre a Teoria da Prosa
EIKHENBAUM, Boris Mikhailovich (1886-1959)
"Já Otto Ludwig indicava, de acordo com a função da narração, a diferença entre duas formas de relato: 'o relato propriamente dito' (...) e 'o relato cênico'. No primeiro caso, o autor ou o narrador imaginário dirige-se aos ouvintes; a narração é um dos elementos determinantes da forma da obra, às vezes o elemento principal; no segundo caso, o diálogo dos personagens está em primeiro plano e a partenarrativa reduz-se a um comentário que envolve e explica o diálogo, isto é, restringe-se de fato às indicações cênica.
"A relação entre a narração literária e o relato oral adquire nesse caso uma importância fundamental. A prosa literária sempre utilizou muito as possibilidades da tradição escrita e criou formas impensáveis fora do quadro dessa tradição. A poesia sempre se destina a ser falada; por isso, não vive no manuscrito, no livro, enquanto que a maior parte das formas e gêneros prosaicos são inteiramente isolados da palavra e têm um estilo próprio na linguagem escrita. O relato do autor orienta-se seja para a forma epistolar, seja para memórias ou notas, seja para estudos descritivos, o folhetim, etc. Todas essas formas de discurso participam expressamente da linguagem escrita, dirigem-se ao leitor e não ao ouvinte, constroem-se a partir dos signos escritos e não a partir da voz. De outro lado, no caso em que os diálogos são construídos dentro dos princípios da conversação oral, eles assumem uma coloração sintática e léxica correspondente, introduzem na prosa elementos falados e narrações orais: em geral o narrador não se limita ao relato, recorre também às palavras.
"Se em tal diálogo damos destaque a um dos locutores, aproximamo-nos mais do relato oral. Às vezes, a novela desdobra-se juntamente com a palavra: quando há a introdução de um certo narrador cuja presença é motivada pelo autor ou não explicada.
"Assim obtemos a imagem global da variedade das formas na prosa literária. (...)
"A novela italiana dos séculos XIII e XIV desenvolveu-se diretamente a partir do conto e da anedota e não perdeu sua ligação com suas formas primitivas de narração. (...)
"No antigo romance de aventuras, a ligação dos episódios, justapostos pela fábula, era feita através de um herói sempre presente. Esse romance desenvolveu-se a partir de uma compilação de novelas, do gênero do Decamerom (...).
"A partir de meados do século XVIII e sobretudo no século XIX, o romance toma outra característica. A cultura livresca desenvolve as formas literárias de estudos, de artigos, de narração de viagem, de lembranças, etc. (...)
"O romance do século XIX caracteriza-se por um largo emprego de descrições, de retratos psicológicos e de diálogos. (...)
"Assim, o romance europeu do século XIX é uma forma sincrética que não contém senão alguns elementos de narração e que, às vezes, se sepa inteiramente deles.
"O desenvolvimento desse romance chegou a seu apogeu durante a década de 70 do século XIX; desde então, não nos libertamos dessa impressão de definitivo, cremos que não existe forma ou gênero novo na prosa literária. (...)
"Tais são os outros fatores que têm importância primordial no romance, a saber: a técnica utilizada para diminuir a ção, para combinar e unir os elementos heterogêneos; a habilidade para desenvolver e ligar os episódios, para criar centros de interesse diferentes, para conduzir as intrigas paralelas, etc. Essa construção exige que o final do romance seja um momento de enfraquecimento e não de reforço; o ponto culminante da ação principal deve encontrar-se em algum lugar antes do final. O romance caracteriza-se pela presença de um epílogo: uma falsa conclusão, um balanço que abre uma perspectiva ou que conta ao leitor a Nachgeschichte [o derradeiro, numa tradução muito livre, vinda de Minas Gerais] dos personagens principais. (...)
"Nesse sentido, os raciocínios de Edgar A. Poe, cujas novelas testemunham a afirmação do gênero, são particularmente interessantes e indicativos. Seu artigo sobre as novelas de Nathaniel Hawthorne é um tipo de tratado sobre as particularidades construtivas da novela. 'Um juízo nefasto e mal fundado existiu há muito tempo na literatura', escreveu Poe, 'e será tarefa de nosso tempo rejeitá-lo, para sabermos se a simples extensão de uma obra deve pesar na estimação de seus méritos. Duvido que um crítico, por mais medíocre que seja, mantenha a sua ideia de que existe alguma coisa que provoque necessariamente a nossa admiração na extenção ou na massa de uma obra, consideradas de uma maneira abstrata. Assim, graças à simples sensação de grandeza física, uma montanha afeta nosso sentido do sublime; mas não podemos admitir que o mesmo suceda com a apreciação de A Columbíade'. Em seguida, Poe desenvolve sua teoria original sobre o poema que para ele é superior a todos os outros gêneros do ponto de vista estético (trata-se de um poema cujas dimensões não ultrapassam o que se pode ler em uma hora, '... a unidade de efeito ou de impressão é uma questão da maior importância'. O poema longo é para ele um paradoxo). 'As epopeias eram o fruto de um sentido artístico imperfeito e, por isso, não predominam'. (...)
"Assim, a literatura americana caracteriza-se pelo desenvolvimento da novela. Essa novela funda-se sobre os seguintes princípios: unidade de construção, efeito principal no meio da narração e forte acento final. Até a década de 80, essa novela varia, aproximando ou distanciando-se da reportagem; mas guarda sempre seu caráter sério: moralizante ou sentimental, psicológico ou fisiológico. A partir dessa época (Mark Twain), a novela americana dá um grande passo no sentido da anedota, sublinhando a função do narador humorista ou introduzindo elementos do pastiche e da ironia literária. Mesmo a surpresa final é submetida ao jogo da intriga e às expectativas do leitor. Os procedimentos de construção são revelados intencionalmente e têm apenas uma significação formal; a motivação é simplificada, a análise psicológica desaparece. Nessa época, aparecem as novelas de O. Henry onde se manifesta em seu mais alto grau a tendência anedótica", 1925, Boris Eikhenbaum, Formalistas russos, p.157-168.


Imagem: Google images

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