terça-feira, 21 de maio de 2013

retrato, espelho; fala, escrita



Já nem me assusta mais.
Acordo de manhã, assim, assim...
Calculo uma cara pra mim.
Dispenso olhar para o espelho...
Posso saber, com alguma chance de acertar,
que não serei eu que estarei lá refletido.
De tudo que escrevo e penso,
imensamente muito mais esqueço ou descarto.
Fico tentando me convencer de que, de fato, este que ficou ao largo é que sou eu.
Por isso já nem olho para espelho - ele não me vê.
E digo, placidamente: - Bom dia, estranho.
(Apenas por educação e, devo confessar, por certo respeito ao que esqueço de mim).

Texto e imagem: Gilson.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

a priori, Kant




Outro dia alguém, um jovem, me disse que eu não existia. Eu, sem responder, continuei pensando e sentindo. É fato: perdemos a capacidade de acessar as coisas em si. Jamais saberemos o que é um rio, uma vaca, uma caneta, uma chuva... Algo se colocou entre nós e o mundo desde a “queda”, ou desde que “tiramos o pé da floresta”. Desde então o externo a nós é um completo mistério, a que só temos acesso pelo conhecimento a posteriori, ou seja pelos fenômenos que nos intimam os sentidos. Nossos sentidos, porém, possuem outras formas de realizar em pensamentos a construção de seus conceitos. São as formas a priori dos conhecimentos, formas puras que antecedem e servem de suporte às demais. São a base da “estética transcendental” de Kant. No fundo são essas formas a priori, uma espécie de super-espaço subjetivo, que “permitem” que acessemos o mundo exterior a nós e mesmo nós mesmos, posto que também somos coisas em si, tudo falsamente objetivo. Enfim, fica fácil compreender, por esta perspectiva, que nada, absolutamente nada, pode existir sem que seja, antes, representação. Daí se dizer que o homem não escapa de sua condição simbólica. Eu e o mundo só existimos na medida da representação que faço de mim e do mundo. Ainda anoto que o espaço é a forma a priori do antidestino, função fantástica da imaginação. Ah, o jovem, porém, sentenciava a minha “inexistência” devido ao fato de eu não possuir uma conta no facebook. Devo confessar que, nesse caso, fiquei até satisfeito.

Texto e imagem: Gilson.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

"No meio do caminho não vejo"





− O fim é sempre a volta ao início. A arquitetura é a do trapézio, em que três lados correspondem à formação e ascensão do herói (a linha/haste/margem esquerda), à falsa ideia de conforto no meio do caminho (a fronteira superior da figura) e à descida aos infernos (na outra margem). Travessia. Resta saber o que é a base do desenho, a coisa que se atravessa, a subcoisa, o silêncio enorme da palavra que jamais foi dita. Linha pontilhada de vazios. Não há entrelinhas; só linhas. A profundidade do espaço está na possibilidade de superar o plano do papel. Não é um vai-e-vem de letrinhas. As palavras todas são minhas, e minha é a alma infinita. A gente conta é apenas depois. Eu tenho saudade do Paraíso. O fim é sempre a volta ao início. 

Texto e imagem: Gilson.
A "fala" do título é de Riobaldo.