sábado, 26 de março de 2011

Formalismo russo V

FORMALISTAS RUSSOS
TERCEIRA PARTE - A NARRAÇÃO
Temática
TOMACHEVSKI, Boris

A Esolha do tema
"No decorrer do processo artístico, as frases particulares combinam-se entre si segundo seu sentido e realizam uma certa construção na qual se unem através de uma ideia ou tema comum. As significações dos elementos particulares da obra constituem uma unidade que é o tema (aquilo de que se fala). Podemos também falar do tema de toda a obra ou do tema de suas partes. Cada obra escrita numa língua provida de sentido possui um tema. (...).
"A obra literária é dotada de uma unidade quando constuída a partir de um tema único que se desenvolve no decorrer da obra.
"Por conseguinte, o processo literário organiza-se em torno de dois momentos importantes: a escolha do tema e sua elaboração. (...).
"A  obra deve ser interessante. A noção de interesse guia o autor já na escolha do tema. Mas o interesse pode tomar formas bastante variadas. (...)
"(...) quanto mais o tema for importante e de um interesse durável, mais a vitalidade da obra será assegurada. Repelindo assim os limites de atualidade, podemos chegar aos interesses universais (os problemas de amor, da morte) que, no fundo, permanecem os mesmos ao longo de toda a história humana. Entretanto, estes temas universais devem ser nutridos por uma matéria concreta e se esta matéria não está ligada à atualidade, colocar estes problemas é um trabalho destituído de interesse. (...).
"(...) é preciso saber que os aspectos desta vida são representáveis. Nem tudo que é contemporâneo é atual ou provoca o mesmo interesse. (...).
"(...) a obra torna-se atual no preciso sentido do termo, porque age sobre o leitor acordando nele emoções que dirigem sua vontade. (...).
"Eis porque o tema da obra literária é habitualmente colorido pela emoção, provoca então um sentimento de indignação ou de simpatia e provocará sempre um julgamento de valor. (...).
"Por outro lado, é preciso não esquecer que o elemento emocional encontra-se na obra, que não é introduzido pelo leitor. (...)

Fábula e trama
"(...) Chama-se fábula o conjunto dos acontecimentos ligados entre si que nos são comunicados no decorrer da obra. (...).
"(...) trama é constituída pelos mesmos acontecimentos, mas respeita sua ordem de aparição na obra e a sequência das informações que se nos destinam. [em nota de rodapé: na realidade, a fábula é o que se passou; a trama é como o leitor toma conhecimento dele]. (...)
"Um fato qualquer não inventado pelo autor pode servir-lhe como fábula. A trama é uma construção inteiramente artística". (...)
"No sistema da narração objetiva, o autor sabe tudo, até os pensamentos secretos do herói. No relato subjetivo, seguimos a narração através dos olhos do narrador (ou de um terceiro conhecedor), e para cada informação dispomos de uma explicação: como e quando o narrador (o conhecedor) tomou ele próprio conhecimento do fato". (...).

Motivação
"O sistema de motivos que constituem a temática de uma obra deve apresentar uma unidade estética. (...).
"O sistema de procedimentos que justifica a introdução dos motivos particulares e seus conjuntos chama-se motivação" (...)
"1-Motivação composicional: seu princípio consiste na economia e utilidade dos motivos. Os motivos particulares podem caracterizar os objetos colocados no campo visual do leitor (os acessórios) ou então as ações dos personagens (os episódios). Nenhum acessório deve ficar inutilizado pela fábula" (...)
"2-Motivação realista: exigimos de cada obra uma ilusão elementar: a obra seria tão convencional e artificial, que deveríamos perceber a ação como verossímil. (...) Em nossa época, os simbolistas substituíram os realistas em nome de um natural sobre natural (de realibus ad realiora, do real ao mais real) o que não impedia a aparição do Acmeísmo, que exige da poesia um caráter mais substancial e concreto, e a do futurismo, que no princípio rejeitou o esteticismo e quis reproduzir o 'verdadeiro' processo criador e mais tarde deliberadamente trabalhou em motivos 'vulgares', isto é, realistas. (...).
"3-Motivação estética: (...) a introdução dos motivos resulta do compromisso entre a ilusão realista e as exigências da construção estética. Tudo o que é tomado emprestado da realidade não convém forçosamente a uma obra literária. (...)

O Herói
"A apresentação dos personagens, espécie de suportes vivos para os diferentes motivos, é um procedimento coerente para agrupar e coordenar estes últimos. (...)
É preciso poder reconhecer um personagem; por outro lado, ele deve mais ou menos fixar nossa atenção. (...).
"Caracterizar um personagem é um procedimento que o faz reconhecível. Chama-se característica de um personagem o sistema de motivos que lhe está indissoluvelmente ligado. Num sentido mais restrito, entende-se por característica os motivos que definem a psiquê do personagem, seu caráter. (...)
"A caracrterização do herói pode ser direta, isto é, recebemos uma informação sobre o seu caráter através do autor, de outros personagens ou de uma autodescrição (as confissões). Econtramos por vezes uma caracterização indireta: o caráter parte dos atos, da conduta do herói. (...)
"É preciso ler de uma maneira inocente, obediente às indicações do autor. Quanto maior for o talento deste, mais difícil é opor-se às suas diretivas emocionais e mais convincente é a obra. Essa força de persuasão, sendo um meio de instrução e predicação, é a fonte de nossa atração pela obra. (...)

Vida dos procedimentos da trama
 "Ainda que os procedimentos de composição em todos os países e para todos os povos caracterizem-se por uma semelhança considerável, e que possamos falar de uma lógica específica na construção da trama, os procedimentos concretos e particulares, suas combinações, sua utilização e, em parte suas funções modificam-se enormemente no decorrer da história da literatura. (...).
"Assim os procedimentos nascem, vivem, envelhecem e morrem. À medida que são aplicados, tornam-se mecânicos, perdem sua função, perdem sua tividade. Para combater a mecanicização do procedimento, renovamo-lo graças a uma nova função ou um novo sentido. A renovação de um procedimento é análoga ao emprego de uma significação de um antigo autor num novo contexto e com uma nova significação. (...)

Os Gêneros literários
"Os procedimentos de construção são agrupados em torno daqueles que são perceptíveis. Assim criam-se classes particulares de obras (os gêneros) que se caracterizam por um agrupamento em torno daqueles procedimentos perceptíveis, chamados traços de gênero. (...)
"Estes traços são polivalentes, entrecruzam-se e não permitem uma classificação lógica dos gêneros segundo um critério único. (...)
"Não podemos estabelecer nenhuma classificação lógica e fechada dos gêneros. Sua dimensão é sempre histórica, isto é, justificada unicamente por um certo tempo; ademais, esta distinção se formula simultaneamente em muitos traços, e os traços de um gênero podem ser de uma natureza inteiramente diversa da natureza daqueles de um outro gênero. Ao mesmo tempo, continuam logicamente compatíveis entre si, porque sua distribuição não obedece senão às leis internas da composição estética", B. Tomachevski, Formalistas russos, p.169-204.

Imagem: Google images

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