segunda-feira, 21 de março de 2011

Formalismo russo III

Viktor Jirmunski

PRIMEIRA PARTE
A Problemática do formalismo I
Sobre a questão do "Método Formal"
JIRMUNSKI,Viktor (1891-1971)
"Sob a denominação geral e imprecisa de 'método formal' geralmente são reunidos os trabalhos mais diversos, dedicados às questões da língua poética e do estilo no amplo sentido da palavra, à poética histórica e teórica, isto é, pesquisas métricas, 'orquestração' e melódica, de história dos gêneros literários e stilos, etc. Dessa enumeração, que não pretende ser completa e sistemática, vê-se que seria por prin´cipio mais correto falar, não sobre um novo método, mas sim, sobre novas tarefas, sobre um novo círculo de problemas científicos. (...)
"(...) Questão dos limites de aplicação do 'método formal', das relações mútuas entre os problemas estético-formais e outros possíveis problemas da ciência da literatura.
"Atualmente, considero oportuno submeter estas questões a uma discussão mais ampla. Concentrarei as divergências sugereidas aqui em torno dos quatro problemas seguintes: 1 - a arte como procedimento; 2 - poética histórica e história da literatura; 3 - temática e composição e 4 - a arte da palavra e a literatura.
"A fórmula 'arte como procedimento' foi lançada na seleção Poética (1919). Ela pode conter, parece-me duplo sentido. Por um lado, significa método de estudo da arte: ao estudar uma obra literária como procedimento artístico, do ponto de vista da poética histórica ou teórica, devemos encarar cada elemento dessa obra como um fato dirigido, esteticamente que exerce determinada influência artística, isto é, como um procedimento estético. (...)
"Desse ponto de vista, tanto a estrutura métrica, quanto o estilo da linguagem, a composição do enredo e a própria escolha deste ou daquele tema são para nós, no processo do estudo da obra de arte, procedimentos. (...)
"Nessa interpretação, ao lado da fórmula 'arte como procedimento' podem existir outras fórmulas igualmente válidas, por exemplo, arte como produto da atividade espiritual, arte como fato social e como fator social, arte como fato moral, religioso, instrutivo, e assim por diante. (...)
"Outro significado adquire essa fórmula quando, pelo realismo metedológico, próprio de muitos pesquisadores, o método de pesquisa escolhido livremente identifica-se como o próprio objeto, a tarefa proposta condicionalmente, com a substância única e definitiva da questão estudada. A ideologia formalista encontra expressão na seguinte afirmação: tudo na arte é somente procedimento artístico, não há nada além de um conjunto de procedimentos. De maneira ingênua, esta teoria atribui ao próprio poeta exclusivamente tarefas artísticas: porém, a existência de tarefas não-estéticas no processo da criação (em particular - tarefas morais), é facilmente comprovada pelas declarações dos próprios poetas e testemunhos de contemporâneos. (...)
"De fato, a arte pura ('a arte como procedimento'), sendo produto de uma deferenciação bastante tardia dos valores culturais, isola-se em resultado de um longo processo de evolução da cultura. Como se sabe, nos primeiros passos desse processo domina um sincretismo de valores culturais; (...)
"A canção guerreira que inspira os soldados ao partirem para a batalha, o hino religioso e a canção ritual, o poema mitológico em versos que narram a teogonia ou a cosmogonia primitivas e os cantos sobre os feitos dos heróis  mortos, ligados às crônicas dos antepassados heroificados são exemplos conhecidos desse sincretismo da arte. (...)
"Não sendo o 'procedimento' o único fato existente na obra poética, também não é o único fator de desenvolvimento literário. (...)
"Em outras palavras, a poética histórica não cobre todo o campo da história da literatura, onde, ao lado de tendências artísticas, existem e atuam outros fatores culturais. Junto a isso, cai a fórmula proposta por R. Jakobson (Novíssima poesia russa, p.11): 'Se a ciência da literatura quiser tornar-se ciência, ela será obrigada a reconhecer o procedimento como seu únco herói'. (...)
"Não deve, entretanto, esquecer que a separação, no processo de desenvolvimento histórico, da série estética, é um meio convencional, embora metodologicamente legítimo, e que os impulsos de desenvolvimento dentro de uma área isolada frequentemente vêm de fora. (...).
"As metáforas de de Alexandre Blok ou a rítmica de Maiakovski realmente produzem a impressão de uma linguagem poética 'refreada', 'falsa', mas apenas para o leitor educado, digamos, em A. Tolstoi, Polonski ou Balmont, que não se dedicou ainda à nova arte e não se acostumou a ela, ou, ao contrário, para os representantes da geração mais jovem que sentem essa arte como convencionalismo que perdeu sua expressividade e inteligibilidade. Desse modo, a sensação de 'distância' e 'dificuldade' precede a vivência artística e indica uma incapacidade de construir um objetivo estético não familiar. No momento da experiência, essa sensação desaparece e é substituída por um sentimento de simplicidade e familiaridade. (...).
"O efeito artísticoda arte pura resulta do jogo de belas formas, linhas e cores, sons e movimentos que nos produzem satisfação por sua composição artística, executando no espaço ou no tempo formas puras de simetria e ritmo. Por outro lado, nas concretas ou temáticas, como a pintura, a escultura, a poesia, o teatro, providos de significação, o material artístico não é essencialmente estético; ele possui significado concreto e é ligado à vida prática. Nessas artes, as leis da composição não podem dominar completamente. Em todo caso, elas não são o único princípio organizador da obra. (...)
"Na poesia, como arte concreta e temática, não há puramente ritmo musical e melodia. Os tons escorregadios das vogais com intervalos indefinidos e os ruídos desarmônicos das consoantes são um material pouco adequado para uma composição musical rigoramente formal, e a duração indeterminada da sílabas e a intensidade irregular dos acentos impedem a realização impecável do princípio rítmico. O material linguístico não se submete à lei compositiva formal. (...) Antes de tudo, a palavra serve à finalidade prática de comunicação humana. (...)
"A principal deficiência da maioria dos atuais trabalhos sobre questões de poética é a preferência consciente ou inconsciente pelas questões de composição frente às de temática. (...) A tarefa do estudo do ponto de vista estético da obra literária só estará concluída quando no âmbito do estudo entrarem também os temas poéticos, o chamado 'conteúdo', encarado como um fato atuante artisticamente. (...)
"Tendo posto, de um lado, as obras puramente líricas, de outro, o moderno romance, psicológico ou de enredo, pode-se facilmente verificar que nos limites da própria literatura a relação mútua entre a composição e a temática pode ser muito valiosa. (...)
"Ao mesmo tempo que uma poesia lírica é realmente uma obra de arte de palavras e união das palavras, tanto do lado semântico como do sonoro, obra inteiramente dedicada a uma finalidade estética, um romance de Tolstoi, de composição livre, utiliza a palavra não como um elemento influenciador com significação artística, mas como meio neutro ou sistema de sinais, subordinado, como na linguagem prática, à função comunicativa, e que nos introduzem no movimento dos elementos temáticos abstraídos da palavra".

Para mim: a) uma grande interrogação, que é a questão do "fundo", do "conteúdo", da "temática" e b) um resumo desabrido: a música e o "resto"; no resto: a poesia lírica e o "resto mesmo"; no resto mesmo: o romance e, aí sim, o "resto puro" = (+) ABSTRAÇÃO (-), do começo para o fim da composição. Acima de tudo me soou como um alento.
 #
Imagem: Google images


Nenhum comentário:

Postar um comentário