quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Cena na parede

Ao entregar a casa ao locador, é preciso consertar, pintar, recolocar e tirar coisas, para devolvê-la a um suposto estado de como era quando foi recebida. Ao desmontar minhas imagens nas paredes, parei todo o serviço diante da fotografia que recortei da National Geographic e colei um dia na parede. Cuidava, a bela foto, da imagem de uma criança paquistanesa numa aula de música. Ali ainda estava ela, à minha frente, pouco acima da telinha do notebook. Sentei-me na velha cadeira.

Cena na parede

Em frente de mim,
na parede eu mesmo colei
a figura do menino tocando um violino.
Ele está sentado em um banquinho comprido.

Atrás do menino aparece a partitura, num quadro verde,
da música antiga de que ninguém mais se lembrasse. Pensei.

Fui eu mesmo que plantei ali a cena:
menino, violino, partitura...
O verde do quadro e o vermelho da camisa.

Na cena, não se pode ver os olhos da criança,
que olham as cordas
– centro que move tudo em volta.

Meus próprios olhos estão girando
ao som do silêncio que criei.

Em seguida, num lance rápido, incalculado, arranquei a fotografia de lá, junto com todo o resto, embolei e joguei no cestinho que a levaria ao lixo, na rua. Restou uma parede de memória, de coisas que, se não vão embora, também não voltam mais.


sábado, 26 de janeiro de 2013

O amanhã já esteve aqui



Na noite em que chorava,
era do medo de não existir outro dia.
No dia em que chorava,
era por não saber dos sentidos da luz.

A escuridão descansa,
mas dá medo.
A claridade alivia,
mas dá saudade.

(O medo no fundo da noite, o oceano mesmo,
amedronta a trêmula e solitária ilha).

Faço muita conta do que não sei.
E, nesta hora, nenhuma palavra serve.



segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

olhares















♫ ♪
...Me disseram, porém
Que eu viesse aqui
Prá pedir de
Romaria e prece
Paz nos desaventos


Como eu não sei rezar
Só queria mostrar
Meu olhar, meu olhar
Meu olhar...


♫ ♪

("Romaria", Renato Teixeira)


domingo, 6 de janeiro de 2013

Silêncios





"O senhor sabe o que o silêncio é?
É a gente mesmo, demais".

Riobaldo/Guimarães Rosa