segunda-feira, 30 de abril de 2012

O Louco



Um louco me disse outro dia, quando eu estava descendo aquela alameda e já chegava próximo das pedras da pontezinha da cadeia:
– Você precisa matar aquele pedaço de você que você amava nela. Explique isso ao seu cérebro. Seu único trabalho é este (eu sei que não é pouco), mas é preciso realizá-lo: desfaça a sinapse.
Como fazer isso, se o que em mim pensa está sentindo? Sentei-me na mureta da ponte, acendi um cigarro e fiquei imaginando se Fernando Pessoa não era inglês.

Retorno

 
A superficialidade me apavora. Assim como Guimarães Rosa, talvez eu preferisse ser um crocodilo que vive nas profundezas de um rio. A visão seria mais ampla, não tenho dúvida quanto a isso. Vivo os últimos dois anos, ora mais, ora menos, mas sempre atacado por uma patrulha irracional, digo superficial, que não aceita que eu esteja tão “preso ao passado”. São muitos os integrantes desse bando de gente boa, que só quer me ajudar (sic). Geralmente (ou quase sempre) não respondo, apenas ouço ou contraceno com retrucos maldosos ou com tentativas de ser engraçado e maldoso ao mesmo tempo. Faço isso para evitar a hipótese, sempre possível, de ter que alongar a conversa com quem sabe pouco sobre as opiniões que emite. Eu de minha parte, desconfio de todas as minhas opiniões. Não guardo certeza de quase nada. Na prática: de nada mesmo. Minhas perguntas, se fossem para serem feitas, seriam muito mais simples. Será que essas pessoas sabem o que é o passado? Será que já pensaram sobre o tempo? Tenho um pouco de preguiça e muita dificuldade para escrever, por isso anoto já: estou falando do que um bem intencionado estudioso chamou de luto e melancolia. Ou de situações que mudam. Ou de perdas. Primeiro fico com S. Agostinho: “O passado já não é, o futuro ainda não é; o presente é o que ainda não é se transformando no que já não é”. Resumi demais, mas fica o beijo do beija-flor, a intuição do instante, o instante-mito. Meu tempo é esse, suspenso pelo espaço vivido, na duração do instante. Vivi um grande amor e ainda o vivo, porque ela ainda vive em mim, com todos os olhares, todos os cheiros, todos os carinhos, todas as esperanças, todos os sonhos, enfim... Não queiram tirar isso de mim! Falta a toda a humanidade uma tal autoridade. Meu tempo é um espaço poético, sobre o qual quase que somente eu mesmo posso saber. Sou eu que devo saber o que já não é e o que ainda não é. De novo repetindo Guimarães Rosa: "Que fosse como sendo o trivial do viver feito uma água, dentro dela se esteja, e que tudo ajunta e amortece – só rara vez se consegue subir com a cabeça fora dela, feito um milagre: peixinho pediu. Por quê? Diz-que-direi ao senhor o que nem tanto é sabido: sempre que se começa a ter amor a alguém, no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na idéia, querendo e ajudando; mas, quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois”. Ou: “Eu não visto luto antes da hora”.


domingo, 29 de abril de 2012

Buriti - água azulada



Quem sabe disso é o Buriti, a árvore da vida (a M'byriti dos Tupis), rainha desse lugar. Riobaldo também, quando nos alerta para o fato: “pergunte ao buriti. O buriti sabe de muitas coisas”. O estudo da toponímia na região vem agora demonstrando essa  sabedoria da árvore. Seu nome domina os nomes de lugares e de cidades. Mesmo onde não há mais buriti, por ignorância humana, ele ainda está lá como “fóssil toponímico”. Desse "esquecimento", da construção desse mito não se pode acusar a Literatura, pelo contrário. A tradição é muito antiga: Franklin Távora, Cassimiro de Abreu, Alencar, Euclides, Mário, Graciliano,  Guimarães Rosa.

Missa das onze e meia (hoje às sete)


4º Domingo da Páscoa
29 de abril de 2012

"Ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo; tenho poder de entregá-la e tenho poder de recebê-la novamente; essa é a ordem qjue recebi de meu Pai" (João 10, 18).

sábado, 28 de abril de 2012

Madrugadas I - São João del-Rey-MG



Fico pensando na distância entre intenção e gesto. E pra quê? Eles todos estão vindo por aí: intenções e gestos, simples e complexos, sempre cheios de promessas... Querendo dizer que a vida existe? Eu sei que sim - existe - e que está num enorme hotel: está de passagem - sua condição, no que nos diz respeito. Talvez o que não se deve perder é a chance de vê-la, uma vez, que seja, ou de novo. Devíamos avisar o dono do hotel.

Eu não me canso


sexta-feira, 27 de abril de 2012

Mahler 12

Coisas com as quais nos encontramos por aí, ou que nos são mostradas assim, do nada, e que nos fazem levantar a cabeça, pelo menos por uns 12 minutos.


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Um dia

Salvador: um dia de certezas, que houve.
Na noite fechada,             
a vida pode rebentar.
Na sombra da lua dada,
quem vai poder reclamar?


Quem vai poder reclamar?
Se é clarão, luz domada,
dada luz a proclamar
vida assim calada.

Observatório da Cultura

Não pude ir, como sonhava, mas a iniciativa da equipe do Observatório da Cultura se encarregou de traduzir e/ou me levar até São João. Alma lavada. Outros trabalhos podem ser vistos em http://www.observatoriodacultura.org.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Mântica

"(...)A música, num momento decisivo da trama - Édipo é coroado por livrar Tebas da cruel cantora -, semeia mistérios no coração do herói. Mistérios que este terá que viver para compreender.
(...) O tema da mântica associada à música também aparece em Hesíodo. Para Platão, a função principal do poeta não é a de fazedor. O poietés é, antes de tudo um legislador das musas. E como legislador, diz Brandão, o 'poetes é um vidente, um mântis, um adivinho' (1992, p.161). Na Teogonia, as musas dizem que, quando elas querem, sabem 'proclamar muitas verdades' (Teogonia, 27)".
Gabriela Reinaldo,
em Uma cantiga de fechar os olhos.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Um tempo.




25 DE ABRIL

Esta é a madrugada que eu esperava.
O dia inicial inteiro e limpo,
onde emergimos da noite e do silêncio.
E livres habitamos a substância do tempo.


Sophia de Mello Breyner Andresen

 

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Mergulho

Sonhos de escafandrista

No meio do mar canavial,
o doce cheiro da cana;
o doce cheiro da dor da cachaça:
cheiros que vento traz.
No acampo do vento: a lembrança
das almas. O santo campo
de um lugar:
 “Melhor lugar é o cemitério,
De lá você pode ver o ermo”.
O vazio do que era.
É.
Águas subiram; tudo cobriram.
Tudo solveram; menos o vento...
Este está coagulando em areias
os cheiros todos das almas
incansáveis. O mais puro sal.
Devo ter pisado em terras
de eu menino. Nem soube.
Nem soubesse; fiquei não sabendo.
“Aí ficava a Cidade, lugar exato certo?”
- perguntei.
“Garantido: aí mesmo. E digo até,
que quando faz grande seca, 
água baixando muito, alguma
parede ameaça olhar o céu...
Fora da água...”
Alguma parede qual será... Heim, hã?
É o ermo em água.
Pensei que alguma árvore me vigiasse. Suspeitã ou reconhecente.