Ela recolhia
pedrinhas dos lugares por onde passava. Fragmentos de mundo, encontrados ali e
que poderiam ser de qualquer outro lugar, vindo ali parar. Era o encontro e o recolhimento do
testemunho da presença. Muitas delas ainda guardam a marca profunda do gesto de
apanhá-las. Mãos que para mim são como que sagradas. Tanto e tanto que sinto-me hoje uma dessas
pedrinhas, que ela apanhou e guardou.
Passei, eu
também, a recolhê-las por onde passo. Minhas irmãs, pedrinhas de todo canto, todo
mar... Cidade, beira velha de estrada, tapera, pé de chão... Resto de açude
velho, pedaço de vida. Minha vida inteira, hoje, não é maior que uma dessas
pedrinhas... Lembro-me, olhando para cada uma, atentamente vejo o movimento
dela, de acolhida. Que significado isso tem?
Não consigo
nem devo perder de vista a sensibilidade do contato com o tempo sem tempo, que
as pedras percorrem. Elas sofrem as leis do movimento, não do tempo. Talvez por
isso, mesmo no cimo da montanha, lugar tão precário, seja possível ouvir o som do
mar, a marulhar no meu ouvido, vindo do fundo de um pedacinho de concha. Digo
apenas que essas pedrinhas me falam da intimidade de coisas sagradas. Falam
muito de mim, na verdade. Na verdade mesmo, falam de saudades enormes, que não quero substituir por nada. Apenas talvez por alguma desimportante motivação que me faz manter vivo para continuar sentindo-as.
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