sexta-feira, 11 de maio de 2012

Pedrinhas miudinhas



Ela recolhia pedrinhas dos lugares por onde passava. Fragmentos de mundo, encontrados ali e que poderiam ser de qualquer outro lugar, vindo ali parar. Era o encontro e o recolhimento do testemunho da presença. Muitas delas ainda guardam a marca profunda do gesto de apanhá-las. Mãos que para mim são como que sagradas. Tanto e tanto que sinto-me hoje uma dessas pedrinhas, que ela apanhou e guardou.

Passei, eu também, a recolhê-las por onde passo. Minhas irmãs, pedrinhas de todo canto, todo mar... Cidade, beira velha de estrada, tapera, pé de chão... Resto de açude velho, pedaço de vida. Minha vida inteira, hoje, não é maior que uma dessas pedrinhas... Lembro-me, olhando para cada uma, atentamente vejo o movimento dela, de acolhida. Que significado isso tem?

Não consigo nem devo perder de vista a sensibilidade do contato com o tempo sem tempo, que as pedras percorrem. Elas sofrem as leis do movimento, não do tempo. Talvez por isso, mesmo no cimo da montanha, lugar tão precário, seja possível ouvir o som do mar, a marulhar no meu ouvido, vindo do fundo de um pedacinho de concha. Digo apenas que essas pedrinhas me falam da intimidade de coisas sagradas. Falam muito de mim, na verdade. Na verdade mesmo, falam de saudades enormes, que não quero substituir por nada. Apenas talvez por alguma desimportante motivação que me faz manter vivo para continuar sentindo-as.



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