“A
objetividade, a ‘Ciência’ o materialismo, a explicação determinista, o
positivismo instalam-se com as mais inegáveis características do mito: o seu
imperialismo e o seu fechamento às lições da mudança das coisas. A objetividade
tornou-se paradoxalmente culto fantástico e apaixonado que recusa a
confrontação com o objeto. Mas, sobretudo, como todo sistema que explora um
regime isomórfico exclusivo, o objetivismo semiológico contemporâneo, ignorando
os estudos de uma antropologia geral, fecha-se a priori a um humanismo pleno. O que a segurança desmitificante
mascara não passa, na maior parte dos casos, de um colonialismo espiritual, da
vontade de anexação, em proveito de uma civilização singular, da esperança e do
patrimônio da espécie humana inteira. (...) Por isso, parece-nos que uma das
tarefas mais sérias na procura da verdade e na tentativa de desmistificação é
discernir com clareza a mistificação e o mito. (...) Ora, a poesia e o mito são
inalienáveis. A mais humilde palavra, a mais estreita compreensão do mais
estreito dos signos é mensageiro contra sua vontade de uma expressão que
aureola sempre o sentido próprio objetivo. Longe de nos irritar, esse ‘luxo’
poético, essa impossibilidade de ‘desmitificar’ a consciência, apresenta-se
como oportunidade do espírito e constitui esse ‘belo risco que se deve correr’
que Sócrates, num instante decisivo, opõe ao nada objetivo da morte, afirmando
ao mesmo tempo os direitos do mito e a vocação da subjetividade para o Ser e
para a liberdade que o manifesta. De tal modo que não há para o homem honra
verdadeira que não seja a dos poetas.
(...)
Impõe-se
então uma educação estética, totalmente humana, como educação fantástica à
escala de todos os fantasmas da humanidade. (...) Outrora os grandes sistemas
religiosos desempenhavam o papel de conservatório dos regimes simbólicos e das
correntes míticas. Hoje, para uma elite cultivada, as belas-artes, e para as
massas, a imprensa, os folhetins ilustrados e o cinema veiculam o inalienável
repertório de toda a fantástica. Por isso, é necessário desejar que uma
pedagogia venha esclarecer, senão ajudar, esta irreprimível sede de imagens e
sonhos”.
(...)
É a
objetividade que baliza e recorta mecanicamente os instantes mediadores da
nossa sede, é o tempo que distende a nossa saciedade num laborioso desespero,
mas é o espaço imaginário que, pelo contrário, reconstitui livremente e
imediatamente em cada instante o horizonte e a esperança do Ser na sua
perenidade”.
(Gilbert Durand,
As estruturas antropológicas do
Imaginário. Martins Fontes, 2002, p.429-433).
Ola meu querido amigo,rendo-me em homenagens à tão fulgurante e axiológico texto.Grande abraço.
ResponderExcluirQuerida Suzane, obrigado pela visita, sempre uma honra!
ExcluirHomenagens ao Durand, uma de minhas bases teóricas e que, na prática, deu o nome para este espaço aqui.
Quanto a você, você já faz o que ele pede: você nos faz sonhar!
Um grande abraço.
Gilson.