Sebastião Vasconcelos viveu Sô Candelário na adaptação da TV Globo (1985) |
Senhor não
tem medo da morte? – Então perguntei. Sô Candelário, raspando o braço com a
faca, apalpando, respondeu manso e cheio dele mesmo: Ela é que tem medo de
mim, a desgraçada. O medo de Sô Candelário era um só: o de morrer da doença
má, de que padeciam todos os seus parentes: a lepra. “Sô Candelário se
endiabrou por achar que tinha doença má”. Por isso caçava a morte no sertão;
tentava de todo jeito encontrar a morte antes que a doença chegasse. Uma
coragem feita de medo? Pode o bom sair do ruim, o bem do mal? Pois então
considere: ainda não disse de Joca Ramiro, o sobretodos, o maior, o real-chefe,
mas acima desse ainda estava Sô Candelário, digno dos abraços mais respeitosos
do rei dos Gerais.
“Um dia, agarraram um homem, que tinha vindo à
traição, espreitar a gente por conta dos bebelos. Assassinaram. Me entristeceu,
aquilo, até ao vago do ar. O senhor vigie esses: comem o cru de cobras.
Carecem. Só por isso, para o pessoal não se abrandar nem esmorecer. Até Só
Candelário, que se prezava de bondoso, mandava, mesmo em tempo de paz, que seus
homens saíssem fossem, para estropelias, prática da vida. Ser ruim, sempre, às
vezes é custoso, carece de perversos exercícios de experiência. Mas, com o
tempo, todo o mundo envenenava do juízo. Eu tinha receio de que me achassem de
coração mole, soubessem que eu não era feito para aquela influição, que tinha
pena de toda cria de Jesus. – “E Deus, Diadorim?” – uma hora eu perguntei. Ele
me olhou, com silenciozinho todo natural, daí disse, em resposta: – “Joca
Ramiro deu cinco contos de réis para o padre vigário de Espinosa...”
(As citações
são de Grande sertão: veredas, de
João Guimarães Rosa).
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