Rubens de Falco fez "Joca Ramiro" na adaptação da TV Globo |
Riobaldo
achava: “Assim era
Joca Ramiro, tão diverso e reinante, que, mesmo em quando ainda parava vivo,
era como se já estivesse constando de falecido”. Joca Ramiro só aparecia mesmo era na grande hora,
no desfecho das grandes e maiores decisões. Grande chefe, Rei dos Gerais.
Pouquíssimas e pesadas palavras. Perto dele apenas dois, mas por diferentes
modos: Medeiro Vaz (desse não falei ainda) e Sô Candelário. Palavra de Joca
Ramiro era uma só e valia como lei em aquele norte. Então: em todo o sertão era
a Lei. Aparece uma única vez nessa estória: na batalha final em que se derrota
Zé Bebelo e no julgamento do prisioneiro. Foi ele, só podia ser, quem presidiu o
tribunal. Vale a pena lembrar:
“O senhor
se acalme. O senhor está preso...” – Joca Ramiro respondeu, sem levantar a voz.
(...) Mas, com surpresa de todos, Zé Bebelo também mudou de toada, para
debicar, com um engraçado atrevimento: – “Preso? Ah, preso... Estou, pois sei
que estou. Mas, então, o que o senhor vê não é o que o senhor vê, compadre: é o
que o senhor vai ver...” – “Vejo um homem valente, preso...” – aí o que disse
Joca Ramiro, disse com consideração. (...) “O senhor pediu julgamento...” – ele
perguntou, com voz cheia, em beleza de calma. – “Toda hora eu estou em
julgamento.” Assim Zé Bebelo respondeu. – “Lhe aviso: o senhor pode ser
fuzilado, duma vez. Perdeu a guerra, está prisioneiro nosso...” – Joca Ramiro
fraseou. (...) Joca Ramiro não reveio logo. Mexeu com as sobrancelhas. Só, daí:
– “O senhor veio querendo desnortear, desencaminhar os sertanejos de seu
costume velho de lei...” (...)– “O senhor não é do sertão. Não é da terra...”
(...) Em menos Joca Ramiro esperou um instante: – “A gente pode principiar a
acusação.” (...)
Após
ouvir todas acusações que todos os chefes ali presentes fizeram, Joca Ramiro
ainda pediu que quem quisesse, qualquer um, pudesse então fazer acusação ou a
consideração que achasse razoável e necessária. Todos os chefes falaram,
acusaram e votaram. Mesmo Riobaldo e um outro. Depois:
“Era a hora. O poder dele veio
distribuído endireito em Zé Bebelo. O quando falou: – “O julgamento é meu,
sentença que dou vale em todo este norte. Meu povo me honra. Sou amigo dos meus
amigos políticos, mas não sou criado deles, nem cacundeiro. A sentença vale. A
decisão. O senhor reconhece?” – “Reconheço” – Zé Bebelo aprovou, com firmeza de
voz, ele já descabelado demais. Se fez que as três vezes, até: – “Reconheço.
Reconheço! Reconheço...” – estreques estalos de gatilho e pinguelo – o que se
diz: essas detonações. – “Bem. Se eu consentir o senhor ir-se embora para
Goiás, o senhor põe a palavra, e vai?” Zé Bebelo demorou resposta. Mas foi só
minutozinho. E, pois: – “A palavra e vou, Chefe. Só solicito que o senhor
determine minha ida em modo correto, como compertence.” – “A falando?” – “Que:
se ainda tiver homens meus vivos, presos também por aí, que tenham ordem de soltura,
ou licença de vir comigo, igualmente...” Ao que Joca Ramiro disse: – “Topo.
Topo.” – “ ... E que, tendo nenhum, eu viaje daqui sem vigia nenhuma, nem
guarda, mas o senhor me fornecendo animal-de- sela arreado, e as minhas armas,
ou boas outras, com alguma munição, mais o de-comer para os três dias,
legal...”Ao que aí Joca Ramiro assim três vezes: – “Topo. Topo!” – “... Então,
honrado vou. Mas, agora, com sua licença, a pergunta faço: pelo quanto tempo eu
tenho de estipular, sem voltar neste Estado, nem na Bahia? Por uns dois, três
anos?” – “Até enquanto eu vivo for, ou não der contra-ordem...” – Joca Ramiro
aí disse, em final. E se levantou, num de repente. Ah, quando ele levantava,
puxava as coisas consigo, parecia – as
pessoas, o chão, as árvores desencontradas. E todos também, ao em um tempo –
feito um boi só, ou um gado em círculos, ou um relincho de cavalo. Levantaram
campo”.
(Citações
são trechos do episódio do julgamento de Zé Bebelo, em Grande sertão:veredas)
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