quinta-feira, 24 de maio de 2012

O "homem humano" IV- Joca Ramiro


Rubens de Falco fez "Joca Ramiro" na adaptação da TV Globo


Riobaldo achava: “Assim era Joca Ramiro, tão diverso e reinante, que, mesmo em quando ainda parava vivo, era como se já estivesse constando de falecido”. Joca Ramiro só aparecia mesmo era na grande hora, no desfecho das grandes e maiores decisões. Grande chefe, Rei dos Gerais. Pouquíssimas e pesadas palavras. Perto dele apenas dois, mas por diferentes modos: Medeiro Vaz (desse não falei ainda) e Sô Candelário. Palavra de Joca Ramiro era uma só e valia como lei em aquele norte. Então: em todo o sertão era a Lei. Aparece uma única vez nessa estória: na batalha final em que se derrota Zé Bebelo e no julgamento do prisioneiro. Foi ele, só podia ser, quem presidiu o tribunal. Vale a pena lembrar:

“O senhor se acalme. O senhor está preso...” – Joca Ramiro respondeu, sem levantar a voz. (...) Mas, com surpresa de todos, Zé Bebelo também mudou de toada, para debicar, com um engraçado atrevimento: – “Preso? Ah, preso... Estou, pois sei que estou. Mas, então, o que o senhor vê não é o que o senhor vê, compadre: é o que o senhor vai ver...” – “Vejo um homem valente, preso...” – aí o que disse Joca Ramiro, disse com consideração. (...) “O senhor pediu julgamento...” – ele perguntou, com voz cheia, em beleza de calma. – “Toda hora eu estou em julgamento.” Assim Zé Bebelo respondeu. – “Lhe aviso: o senhor pode ser fuzilado, duma vez. Perdeu a guerra, está prisioneiro nosso...” – Joca Ramiro fraseou. (...) Joca Ramiro não reveio logo. Mexeu com as sobrancelhas. Só, daí: – “O senhor veio querendo desnortear, desencaminhar os sertanejos de seu costume velho de lei...” (...)– “O senhor não é do sertão. Não é da terra...” (...) Em menos Joca Ramiro esperou um instante: – “A gente pode principiar a acusação.” (...)

Após ouvir todas acusações que todos os chefes ali presentes fizeram, Joca Ramiro ainda pediu que quem quisesse, qualquer um, pudesse então fazer acusação ou a consideração que achasse razoável e necessária. Todos os chefes falaram, acusaram e votaram. Mesmo Riobaldo e um outro. Depois:

“Era a hora. O poder dele veio distribuído endireito em Zé Bebelo. O quando falou: – “O julgamento é meu, sentença que dou vale em todo este norte. Meu povo me honra. Sou amigo dos meus amigos políticos, mas não sou criado deles, nem cacundeiro. A sentença vale. A decisão. O senhor reconhece?” – “Reconheço” – Zé Bebelo aprovou, com firmeza de voz, ele já descabelado demais. Se fez que as três vezes, até: – “Reconheço. Reconheço! Reconheço...” – estreques estalos de gatilho e pinguelo – o que se diz: essas detonações. – “Bem. Se eu consentir o senhor ir-se embora para Goiás, o senhor põe a palavra, e vai?” Zé Bebelo demorou resposta. Mas foi só minutozinho. E, pois: – “A palavra e vou, Chefe. Só solicito que o senhor determine minha ida em modo correto, como compertence.” – “A falando?” – “Que: se ainda tiver homens meus vivos, presos também por aí, que tenham ordem de soltura, ou licença de vir comigo, igualmente...” Ao que Joca Ramiro disse: – “Topo. Topo.” – “ ... E que, tendo nenhum, eu viaje daqui sem vigia nenhuma, nem guarda, mas o senhor me fornecendo animal-de- sela arreado, e as minhas armas, ou boas outras, com alguma munição, mais o de-comer para os três dias, legal...”Ao que aí Joca Ramiro assim três vezes: – “Topo. Topo!” – “... Então, honrado vou. Mas, agora, com sua licença, a pergunta faço: pelo quanto tempo eu tenho de estipular, sem voltar neste Estado, nem na Bahia? Por uns dois, três anos?” – “Até enquanto eu vivo for, ou não der contra-ordem...” – Joca Ramiro aí disse, em final. E se levantou, num de repente. Ah, quando ele levantava, puxava as coisas consigo,  parecia – as pessoas, o chão, as árvores desencontradas. E todos também, ao em um tempo – feito um boi só, ou um gado em círculos, ou um relincho de cavalo. Levantaram campo”.

(Citações são trechos do episódio do julgamento de Zé Bebelo, em Grande sertão:veredas)

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