sábado, 12 de maio de 2012

O espaço perdido

Na subida da serra, sentia seu coração se encher, de repente, de um nada. Ele vinha de longe, mas a bem dizer não vinha de lugar nenhum e também não tinha destino certo, definido nem com o mínimo rigor. Havia riscado muito fracamente um certo percurso que imaginava percorrer, mas sem precisão nenhuma, objetivo prático nenhum. Estava de férias e cansado. Pensava sempre em algumas pessoas, poucas. Ruminava situações e, às vezes, se lembrava de dinheiro. Já há mais de dez dias percorria regiões nunca vistas, um de seus poucos critérios ao decidir pelos caminhos.

Na subida daquela serra, percebeu claramente o vazio pleno que carregava consigo. Aconteceu por causa de um acidente na estrada, que parou o trânsito por cerca de meia hora. Havia um helicóptero sobrevoando o local. Um caminhão havia tombado numa curva, conforme as informações que iam chegando pelas vozes de quem descia dos veículos e caminhava para saber o que se passava. Ele ligou o rádio. Estava próximo de uma cidade grande, pela qual, segundo acreditava, devia passar sem mais demora. O último refúgio do realista são as coordenadas da posição do objeto no espaço. Bachelard... Foi fácil a sintonia de várias estações. Escolheu uma de frequência AM quase que só pelo melhor som que oferecia e pelo desgosto que nutria pela homogeneidade das rádios FM do país. Não queria ouvir Lady Gaga. Não por estar ali: nunca quis. Nem Lady Gaga nem os outros. Em poucos minutos veio a informação jornalística do acidente grave com o caminhão, com mortes, helicópteros e bombeiros se dirigindo ao local. Quando Proust acordava e não se lembrava em que lugar estava, também não se lembrava em que tempo estava e, logo, nem quem era. George Poulet. Com exceção dessa movimentação dos veículos de socorro e de um ou outro motorista fazendo pequenas verificações em seus veículos, tudo estava absolutamente parado.

Rádios FM são ruins mesmo, quase todas. Há veículos de muitas cores, mas hoje quase todos são da cor cinza ou prata. Viajava sozinho pelo segundo ano consecutivo e dirigia muitas horas por dia, com pouco descanso. Uma grande aflição assumia o lugar da alegriazinha muito pequena que sentia quando estava a se deslocar pelo espaço. Os modelos econométicos são iguais às salsichas: a gente não consumiria se soubesse como são feitos. Na diferença dessas dimensões, ele percebeu que não havia pensado no que o movia. Na verdade mal sabia os nomes dos lugares por onde passava. Salvo um ou outro, tudo sempre dependendo de seus estados de humor, que, por esses dias mudavam bastante. Havia atoleiros na estrada, de chuvas antigas, mas o tombo foi de cima de um mourão de porteira. O chão ali estava seco e muito batido. Primeiro havia pensado em não levar para a viagem livro algum relacionado a seus estudos. Depois mudou de ideia e o carro estava repleto deles. Muitas noites ele só dormia com o dia quase amanhecendo, envolvido com leituras, por fim, insuficientes para levá-lo à tranquilidade que se espera de alguém que está de férias. Uma cidade pode ser, assim, submerssa. Também havia notado que os lugares estavam vazios de sentido, os nomes soavam falsos ou insignificantes. Estudava espaço e com pouco esforço talvez se lembrasse de que estava passando pela Serra da Moeda ou pela Serra do Curral, mas isso não ia trazer valor algum. Eram estradas, descidas, subidas, vegetação... Preocupava-se mais com o ponteiro indicador do volume do combustível. No rádio o locutor de voz solene informa sobre os oito quilômetros da fila de carros parados. Lembrou-se de que era já fim de tarde e de que provavelmente se atrasaria.

Acendeu um cigarro e desapareceu.

Quando novamente pensou, estava percorrendo normalmente a estreita e bonita estrada de acesso a Cordisburgo, Minas Gerais. O burgo do coração, que já se chamou Vista Alegre.

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