Foto: Eduardo Andreassi
Há dois posicionamentos clássicos, já se
sabe. O primeiro é aquele em que o homem está na cadeira no canto do quarto, na
bancada em frente da parede, com um computador ou com um ou mais livros entre
eles, digo, entre ele e o limite físico espacial, figurado na parede. O segundo
não se deixa descrever com tanta facilidade: dilui-se, orvalha, sai de si, não
conhece fronteiras no campo da ciência, como é praticada em sua forma
hegemônica. Para esse segundo posicionamento todos os objetos, inclusive o
próprio corpo do homem, passam a ser suporte para a ordenação possível,
incansavelmente buscada. Eu a busco nos mitos, na fase pré-lógica da
humanidade. Por isso as artes. Pela ordem: a literatura, a prosa, o romance.
Entre esses dois espaços, a impressão que se
tem é a de que o que se faz é invenção, sempre. Não há garantia de relação
explícita, além daquela do trânsito, ou movimento de sentidos que fluem de um
ao outro ou o contrário. Está claro, penso, que o território, como o concebemos
hoje, apenas tardiamente, passa a fazer parte das preocupações humanas. O
estado-nação de hoje contempla placidamente as noções de “povo”, “língua/literatura”,
“nação” e “soberania sobre um território”. Devo dizer logo, então, que os
pastos do Sertão não conheciam cercas. Essa ausência de demarcações exige um
olhar para os coletores e caçadores, de tempos imemoriais, sempre em movimento pelo Grande Espaço, fonte de alimento e abrigo e, depois, de brigas.
Aqui começamos. Eu não duvido que todos os
sentimentos dos coletores e caçadores pré-neolíticos ainda habitam o homem de
hoje, mesmo aquele que negocia ações na bolsa de Nova Iorque ou Tóquio, ou
aquele que escreve livros de História. Lembro-me
de Câmara Cascudo, assustado, em Civilização
e Cultura, com a simplicidade com que os historiadores passam da Pré-História
para História. Creio que há mesmo um ano sendo citado: cerca
de 4000 aC. Antes, aquilo; depois, isso. A duração deste instante foi de
milhões de anos! Quanto se passou pelo pensamento do homem, nas milhões de tardes,
depois das caçadas, na porta das cavernas, ao som do crepitar do fogo, no
contar e ouvir as estórias do dia? Quantos medos e assombros! O ruído que
passou por lá, tenho certeza, ainda está passando, hoje mesmo. A minha
profissão de fé é a de ver a sombra na luz. Talvez a ação nem seja mesmo a de
ver. O poeta é quase sempre um "cego", mas é o que adivinha. Outro, um psicanalista, disse: "Onde quer que eu vá, descubro que um poeta esteve lá antes de mim". Prossigo, então, sem ser poeta mas meio cego, querendo saber o que havia, antes dos mouros.
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