sábado, 7 de julho de 2012

O pano e o bordado


A teia da aranha no teto enreda meus pensamentos. Mantenho a distância física – a prudente e a necessária –, mas ela, a teia, qualquer magia possui que atrai meus olhos, sabendo-os vulneráveis. É por eles que me agride, alcança e paralisa ou faz fugir meus pensamentos. Como nas águas de um rio que passa: minha cabeça gira, acompanhando o movimento do rio, mas são meus olhos que puxam minha cabeça, mas são meus pensamentos que agora querem descer com as águas do rio.

Rio meu de amor é feito de palavra. Palavras: a teia. As palavras todas que agora mesmo guardo comigo, no mais absoluto silêncio. Ontem desfiz a teia da aranha, num ato agressivo de devolução, de alguém que precisa lançar longe uma ameaça. Não sonhei com nada – o nenhum, a coisa nenhuma.

Ao acordar, a primeira coisa que vi foi a teia. Não que houvesse teia alguma, pois eu a havia varrido. Ela estava, porém, completamente lá, no mesmo lugar, digo, aqui.

Chove muito lá fora agora. A matéria está se convertendo. Do livro para a água e daí para a pedra, por meio das intrigas do ar de Hermes. Os ventos todos. O triste é sentir esse fóssil de som, a palavra-tinta, morta, colada no papel, enredada – logo ela, a palavra-sopro, que nasceu para voar.







9 comentários:

  1. Um texto de muita reflexão...
    Gostei muito!
    Obrigada e parabéns!
    Bjinhos

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    1. Obrigado a você, Cristina, pela presença e comentário tão simpático.
      Grande Abraço.
      Gilson.

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  2. Gilson, estou relendo o Livro do Desassossego, por coincidência, li
    hoje este trecho que cabe tão bem aqui....



    NOSSA SENHORA DO SILÊNCIO
    Às vezes quando, abatido e humilde, a própria força de sonhar se me desfolha e se me seca, e só posso ter como sonho o pensar nos meus sonhos, folheio-os então, como a um livro que se folheia e se torna a folhear sem ler mais que palavras inevitáveis. É então que me interrogo sobre quem tu és, figura que atravessas todas as minhas visões demoradas de paisagens outras, e de interiores antigos e de cerimoniais faustosos de silêncio. Em todos os meus sonhos ou apareces, sonho, ou, realidade falsa, me acompanhas. Visito contigo regiões que são talvez sonhos teus, terras que são talvez corpos teus de ausência e desumanidade, o teu corpo essencial descontornado para planície calma e monte de perfil frio em jardim de palácio oculto. Talvez eu não tenha outro sonho senão tu, talvez seja nos teus olhos, encostando a minha face à tua, que eu lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habitam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos. Quem sabe se as paisagens dos meus sonhos não são o meu modo de não te sonhar? Eu não sei quem tu és, mas sei ao certo o que sou? Sei eu o que é sonhar para que saiba o que vale o chamar-te o meu sonho? Sei eu se não és uma parte, quem sabe se a parte essencial e real, de mim? E sei eu se não sou eu o sonho e tu a realidade, eu um sonho teu e não tu um sonho que eu sonhe?


    (pra se pensar...pero no mucho)

    Beijo

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    1. Muito bom, Margoh.
      {Pois bem, escrevi esse "pano e bordado" sob influência daquela frase: "Compreendo bem as bordadoras por mágoa e as que fazem meia porque há vida", que está bem no prefácio de L.do D.[.]}
      Obrigado.
      Gilson.

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    2. Creio que lemos juntos, então.

      Viver é fazer meia com uma intenção dos outros. Mas, ao fazê-la, o pensamento é livre, e todos os príncipes encantados podem passear nos seus parques entre mergulho e mergulho da agulha de marfim com bico reverso. Crochet das coisas... Intervalo... Nada...
      (de lá)


      (eu ja fui "crocheteira"...
      hoje brinco com as palavras "Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo" rs.)

      Abraço.

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  3. .

    .

    . a teia . o medo . a necessidade . de deitar fora . uma ameaça .

    .

    .

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    1. Obrigado pela honrosa visita.
      ...Deitar fora a ameaça do silêncio das palavras mortas, fósseis sonoros, desenhados nos livros. A rede do texto.
      Obrigado.
      Gilson.

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  4. Passei por aqui e estou sem palavras...

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    1. Pois é, então... (...) [,,,]... :-( Será que vai chover?
      Não fica assim, não !!
      Abraços.
      Gilson.

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