Há um
esquema muitíssimo simples em literatura para elaborar momentos decisivos na
trajetória do herói e que é expresso por meio de uma imagem espacial. O
personagem é colocado num ponto alto de onde pode contemplar o mundo, mas seu
poder tem raízes no chão, num ponto obscuro.
A imagem nos traz Satanás a tentar Cristo no alto da montanha, mas a
construção é rica em significação material. Não faltam exemplos na literatura:
em Stendhal, a torre onde o Padre Blanès ensina Fabrizzio e a torre Farnésia em
que o mesmo Fabrízzio é preso e ama Clélia Conti; o morro dos Alpes
Delfinenses, onde Julien Sorel concentra-se para suas grandes decisões ou a
torre da cadeia, em que espera a guilhotina; em Balzac, as alturas de
Montmartre, em que Rastignac lança seu desafio a Paris (“Agora é entre nós dois”);
Hugo mostra Paris a partir da pureza do alto de Nôtre-Dame, com Quasimodo.
Cristo encontra forças no jejum do deserto; Fabrízzio vive sua glória, sem nem
o saber, na batalha de Waterloo, na planície; Rastignac é instigado pelo
demônio Vautrin, que habita a pensão; Victor Hugo não deixa de nos mostrar o
Pátio dos Milagres, espécie de submundo parisiense.
Essa polarização
entre o alto e o baixo, a claridade e a obscuridade, assume as formas da
montanha e da caverna, da torre e do nível do chão, do morro e do fundo vale. Num
dos pólos, o poder; no outro sua fonte. Em cima o céu, embaixo a água. No
primeiro, expansão; no segundo, concentração. Será preciso esclarecer a sombra
como fonte da luz, e não gostaríamos de voltar à Farbenlehre de Goethe para isso. Por hora apenas um trecho d` O Conde de Monte-Cristo de Alexandre Dumas.
É o momento da narrativa em que Edmundo acaba de escapar do “subterrâneo”, ou
seja, a prisão em que se encontrava, em outra ilha, e estava prestes a descer de
novo à “caverna” para reunir as condições necessárias à realização de seus
planos, concebidos na prisão. Agora, diferentemente, descerá livre, por sua vontade, às trevas.
“O sol tinha chegado mais ou
menos à terça parte do seu curso, e os raios de verão caíam quentes e
vivificantes sobre os rochedos que pareciam, eles próprios, sensíveis ao seu
calor; milhares de cigarras, invisíveis pelo matagal, faziam ouvir um murmúrio
monótono e continuado; as folhas das murtas e das oliveiras se agitavam
frementes, produzindo barulho quase metálico; a cada passo que dava no granito
aquecido, Edmundo espantava lagartixas que pareciam esmeraldas; ao longe,
viam-se pular as cabras selvagens, que por vezes atraem ali os caçadores; numa
palavra, a ilha era habitada, viva, animada, e no entanto Edmundo sentia-se só,
debaixo da mão de Deus (...) Trazendo os olhos para as coisas que o rodeavam de
mais perto, viu-se no ponto mais alto da ilha cônica, – frágil estátua desse
pedestal imenso; abaixo dele, nenhum homem; em torno dele nenhuma barca: apenas
o mar azulado, que vinha bater no pé da rocha, debruado de uma franja de prata
pelo choque sempiterno”.
Imagem: Fitzcarraldo, de Herzog, em www.cinemaeuropeu.blogspot.com
No mais profundo da angústia, da infelicidade ou
ResponderExcluirda mediocridade, o sujeito pode se entregar ao
desespero [...], ou deixar-se levar pelos mitos da redenção ou pela utopia de um mundo melhor [...],
ou, enfim, decidir trabalhar ativamente para a
realização efetiva do Preferível. A consciência,
iluminada pelo ser substancial e por essa
felicidade pressentida cuja ausência a atormenta, decide então agir por si mesma e com seus próprios recursos para construir o itinerário de sua alegria.
Robert Misrahi
[Não há coisa mais triste que o vazio nostálgico]
Beijo
Olá, Margoh, obrigado pela honra da visita e pela contribuição.
ExcluirBeijo.
Gilson.
Buenos días Gilson:
ResponderExcluirLa mayoria de veces va unida la vida real a la Literatura o viceversa, como la oscuridad y la luz, entonces surge la verdadera fuerza interior que caracteriza a cada individuo, lo que nos convierte tambien en diferentes, frágiles y vulnerables.
Felicidades me ha encantado este texto o reflexión (muchas cosas se me escapan por el idioma)... Pero creo haberlo entendido correctamente
Un abrazo Pilar
Holla Pilar, gracias por venir y comentar.
ExcluirMuchas cosas tambiém me escapan a min por el idioma. Yo creo que lo más "real" se queda en la literatura, una vez que para ella se destinan las cosas que miles veces se repeten, que vuelven siempre, que son las mismas que todos nosotros vivimos todos los dias, siempre los mismos. Hay sin duda una impreción de duracción, pero nuestras percepciones se aferram en lo que se puede mirar, y lo que miramos con los ojos es siempre “lo que pasa”. Nuestro conocimiento no debía, creo, se quedar aprisionado a la instabilidad, todavia es lo que mas se pasa (risas). “Dios no juega a los dados”, verdad?
Muchas gracias y fuerte abraço.
Deseo que tengas una bueno semana.
Gilson.
"O personagem é colocado num ponto alto de onde pode contemplar o mundo, mas seu poder tem raízes no chão, num ponto obscuro."
ResponderExcluirEu não havia me atentado a esse momento decisivo. Estou terminando um texto onde há essa contraposição de alto e baixo e, agora, estou relendo meu próprio rascunho com outros olhos.
Seu espaço imaginário é excelente.
Parabéns e obrigado por mais um cantinho virtual q eu visitarei com frequencia.
Olá, Maoli, boa noite!
ExcluirSeja bem-vindo a este humilde espaço. Aqui anoto fragmentos de textos e de vida neste momento em que trabalho na escrita da minha dissertação de mestrado. Momentos de grande solidão e que acabam transbordando...
O espaço aqui se chama imaginário numa brincadeira que faço com minha linha de pesquisa: Literatura, História e Imaginário. Eu estudo o espaço do sertão no romance "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa.
Boa sorte com seu texto. Os que coloca no blog eu os leio sempre e devo dizer que gosto muito.
É uma honra tê-lo e volte sempre, comente, critique, que é assim que a gente aprende. Você verá logo que o que há de melhor neste "espaço imaginário" são os comentários que meus/minhas amigos/as, virtuais ou não, generosamente deixam aqui.
Grande abraço.
Gilson.