sexta-feira, 20 de julho de 2012

Algodoal!



“Porque, por fim, ele exigiu minha atenção toda, e disse:
– ‘Riobaldo, eu sei a amizade de que agora tu precisa. Vai lá. Mas, me promete: não adia, não desdenha! 
Daqui, e reto, tu sai e vai lá. Diz que é de minha parte... Ele é diverso de todoo mundo.’

Mesmo escreveu um bilhete, que eu levasse. Ao quando despedi, e ele me abraçou,senti o afeto em ser de pensar. Será que ainda tinha aquele apito, na algibeira? E gritou: – ‘Safas!’–; maximé.

Tinha de ser Zé Bebelo, para isso. Só Zé Bebelo, mesmo, para meu destino começar de salvar. Porque o bilhete era para o Compadre meu Quelemém de Góis, na Jijujã – Vereda do Buriti Pardo. Mais digo? O senhor vá lá. No tempo de maio, quando o algodão lãla. Tudo o branquinho. Algodão é o que ele mais planta, de todas as modernas qualidades: o rasga-letras, biból, e mussulim. O senhor vai ver pessoa de tal rareza, como perto dele todo-o-mundo pára sossegado, e sorridente, bondoso... Até com o Vupes lá topei.

Compadre meu Quelemém me hospedou, deixou meu contar minha história inteira. Como vi que ele me olhava com aquela enorme paciência – calma de que minha dor passasse; e que podia esperar muito longo tempo. O que vendo, tive vergonha, assaz. Mas, por fim, eu tomei coragem, e tudo perguntei:
– ‘O senhor acha que a minha alma eu vendi, pactário?!’ Então ele sorriu, o pronto sincero, e me vale me respondeu:
– ‘Tem cisma não. Pensa para diante. Comprar ou vender, às vezes, são as ações que são as quase iguais...’

E me cerro, aqui, mire e veja. Isto não é o de um relatar passagens de sua vida, em toda admiração. Conto o que fui e vi, no levantar do dia. Auroras.

Cerro. O senhor vê. Contei tudo. Agora estou aqui, quase barranqueiro. Para a velhice vou, com ordem e trabalho. Sei de mim? Cumpro” (Riobaldo, em Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa).


6 comentários:

  1. Amigo, sería mucho pedirte que pusieras los textos en español también? Los traductores no me ayudan mucho, y me cuesta interpretarte. Por respeto a tus textos, digo yo...Ojalá sea posible.

    Gracias de antemano.

    Besos.

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    1. Amiga Maritza, gracias por tu honorable visita. Yo no puedo, está fuera de mis fuerças hacer la traducción al español, no lo conosco para esta tarea tan grande. Una amiga francesa me pedió que pusiera un "traducteur automatique" en la página. Asistí pero sé que Google ayuda poco, poquito. A veces es peor que nuestra traducción.

      Muchos textos no son mios, pero citaciones. En todo caso yo voy a intentarlo. Estoy piensando: ojalá sea posible.

      Besos.
      Gilson.

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  2. "às vezes, são as ações que são as quase iguais...’

    às vezes de fazer balancê, de se remexerem dos lugares, assim se descobre um amigo.


    [contém 1 beijo]

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    1. Obrigado, Margoh Werneck !
      É sempre uma honra recebê-la aqui neste humilde espaço. Riobaldo morria de ódio de suas lembranças se remexerem dos lugares, fazerem balancê, o que era antigo ficar novo, tudo se misturando... Por isso o livro parece a muitos tão difícil. Ele está tentando armar o ponto de um nó, mas precisa recolher todas as suas memórias e alinhá-las.

      Quelemém de Góis o ajudou muito nessa tarefa. "De Cardeque", a doutrina dele. Como imaginou Zé Bebelo, era o amigo de que ele precisava naquela hora. Sem adiamento algum, nem desdém nenhum.

      [contém 1 beijo, também]
      Gilson.

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  3. "O mundo supura é só a olhos impuros.
    Deus esta fazendo coisas fabulosas.
    (Sobre a escova e a duvida , in Tutaméia)

    [contem outro beijo]

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    1. "Deus está fazendo coisas fabulosas", que nós nem estamos vendo...
      Obrigado por me trazer palavras de Guimarães Rosa.
      Abraços, Margoh.

      [contém outro beijo, então]
      Gilson.

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