domingo, 15 de janeiro de 2012

Gruta do Maquiné ou Magma VI

Do centro da Terra começa o sumidouro do sexto salão da Gruta do Maquiné. o espetáculo fica a apenas cinco km de Cordisburgo, hoje com acesso facilitado, tudo asfaltado, etc. Algo espetacular. Talvez uma das razões, se não a principal para o livro se chamar "Magma", seja justamente este lugar, este poema, que já mostrei aqui, mas com imagens de outros. Anoto de novo, porque vale a pena. Além do mais, agora já é outra coisa: eu fui lá e vi. As imagens foram captadas po mim, num equipamento fraquíssimo, irritante às vezes.
Tive sorte de poder visitar todos os sete salões, até o último e maior deles, o salão Dr. Lund. Em função das chuvas do período os dois últimos estavam interditados pela impossibilidade de passagem, devido à grande infiltração e volume de água pelo caminho.

A Gruta de Maquiné

Aquela gruta de Ali-Babá ainda existe,
graças a Deus, ainda existia,
quando eu disse:
- "Abre-te, Sésamo!..."
na fralda da serra,
e fui entrando, deixando cá fora
também o sol, a meio céu, querendo entrar...

Bafio quaternário. O preto
da imensa noite, anterior ao mundo,
com pesadelos agachados
e pavores dormindo pelos cantos,
enrolados nas caudas de gelatina fria,
vem comprimir o peito e os olhos.
E ao acendermos as velas e as lanternas,
a treva se retrai, como um enorme corvo,
das paredes paleozóicas,
salitradas.
Subterrâneos de Poe, salões de Xerazade,
calabouços, algares, subcavernas,
masmorras de Luís XI, respiradouros
do centro da terra,
buracos negros, onde as pedras jogadas
não encontram fundo, como pesadelos
de um metafísico...
Flores de pedra,
cachoeiras de pedra,
moitas e sarças de pedra,
e sonhos d'água, congelados em calcário.
Andares superpostos, hierogligos, colunas ,
estalagmites subindo
para estalactites,
marulhos gotejando das pontas rendilhadas:
- Plein!... ritmos do Infinito...
- Plein!... e séculos medidos por milímetros...
Não falemos, que as nossas vozes, baças,
recuam espavoridas
das galerias ressumentes, das reentrâncias
de um monstruoso caracol...
Rastros de ursos, apeleus e trogloditas,
candelabros rochosos,
lustres pendentes de ogivas,
e a visão de Lund, sorrindo, sonhando
com fêmuros de homens primitivos,
com megatérios e megalodontes...
Mas é preciso sair. Já é hora
da noite deslizar para fora da furna,
e subir, desenrolando as voltas
de píton ciclópico,
para encaixar todos os anéis, na altura,
com milhões de escamas fosforecendo
e o enorme olho frio vigiando...


JOÃO GUIMARÃES ROSA, em Magma, Nova Fronteira, 1997.


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