domingo, 1 de janeiro de 2012

espaços e lugares

Espaços em si não existem. No máximo, em casos extremos, talvez se pudesse falar de lugares. Mesmo aí, Marc Augé alerta para a existência do que ele chama de “não lugares”, cada vez mais comuns nos tempos da modernidade: supermercados, shopping centers, rodoviárias, aeroportos, postos de combustíveis à margem das estradas, hotéis. Apesar de considerar que o autor se aproxima daquilo que eu entendo por espaço, essa aproximação se dá quando recorre a Merleau-Ponty, que entra com sua noção de lugar praticado. De qualquer forma o desacordo continua, e a argumentação não afina. Não há possibilidade de se pensar nem lugar nem espaço sem pensá-los como representações. O homem não escapa de seu universo simbólico, mítico ou ancestral, em termos coletivos, ou de sua pátria individual: seu mundo infantil. Nesse encontro das intimações (essa palavra já mereceria uma bela página) exteriores com as forças inconscientes do interior nascem as imagens com as quais o homem tenta se explicar.

O lugar praticado de Ponty talvez esteja próximo do espaço vivido de Bachelard, mas há uma diferença fundamental. Para Bachelard a palavra cria o mundo ou dá a ele uma significação. Pensemos no Velho, de “Cara-de-Bronze”, de Guimarães Rosa: do interior de sua grande fazenda de gado, no sertão de Minas, ele comanda uma grande movimentação externa, quase sem ser visto (apenas alguns poucos eleitos compartilham sua presença). Esse velho veio do Maranhão ainda mocinho, acreditando ter matado o pai. Vei, trabalhou, teve ambição ou medo, sabe-se lá, enricou. Ele está, porém quase que totalmente paralisado de alma, por isso talvez se esconda. Cerca-se de cantadores, por paga os tem sempre por perto, para ofício de cantar, sem descanso, cantigas novas, inventadas.

No limite, e buscando escapar dessa paralisia que deveria levar à morte, o Velho escolhe um de seus vaqueiros. Demora na escolha, porque tem que ser o vaqueiro certo, o mais capaz para a tarefa: ir ao Maranhão, sozinho, observando tudo, com calma, guardando tudo na memória... E voltar para contar tudo o que viu, do jeito que sentiu quando percorreu os lugares indicados por Segisberto Jéia, o velho Cara-de-Bonze. Não importava muito a verdade das coisas, mas a capacidade de percepção delas. A escolha recaiu sobre o Grivo, jovem vaqueiro, ladino, esperto que só, bom falador, mas discreto ao extremo. A história que trouxe só mesmo ao Velho contou.

Fato é que o Velho não queria descrição precisa e rigorosa de nada, mapas nem desenhos de rios e estradas, serras, chapadões. Quanto mais inventasse, tanto melhor, pois Segisberto queria, precisava mesmo, era de poesia, que é o mesmo que canto. Os cantadores à porta já não bastavam, já não o levavam de volta aos seus espaços, que intimavam por ele. No fim o vulgo não diz “Terra, lugar de passagem”? Então. Temos saudade da unidade, do tempo que ainda não tínhamos tirado o pé da floresta, ou mesmo de antes.

Este é o meu espaço. É ele que estudo sob seus vários nomes. Hoje, eu o chamo de mito, uma de suas representações e de labirinto, uma de suas formas. Não tenho metodologia, apesar de ter método: a mitodologia de Gilbert Durand.

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