quarta-feira, 18 de abril de 2012

Mitemas II

Preciso achar a teoria, mas gosto de pensar, em termos linguísticos, que na sintaxe (em sentido amplo) do mito os elementos mínimos são os mitemas. Assim como temos os fonemas na fonologia, os morfemas na morfologia, os sintagmas na sintaxe (em sentido estrito). Sob as mesmas condições em que um /a/ pode ser um fonema, mas pode também ser um morfema (como numa terminação de nome, por exemplo), o mitema pode se constituir de uma só palavra. O mais comum, me parece, no entanto, é ser identificado com um grupo sintagmático alojado numa cadeia de significação. Assim, “mãe” é mitema do mito da “Grande-Mãe-Terra”, da mesma forma que “um bezerro erroso, cara de cão, cara de gente” – por seus elementos remetem ao mito do Labirinto, em cujo cento se encontra o Minotauro, ser de caráter híbrido que revela uma figura humana e não humana ao mesmo tempo. Que também se liga ao mito da queda, ou da transgreção ou desobediência ao(s) D(d)eus(es).

Daí a frequente observação de que em literatura nada se cria, tudo se “arranja”, de um modo ou de outro. E que um químico ou físico também formulou para a Natureza. Trata-se, na verdade de contar sempre as mesmas histórias, primordiais e imemoriais e, talvez, fosse mesmo melhor se falar de “estórias”, posto que superam o tempo linear em que a historicidade humana se insere. O homem, na verdade, é histórico (invenção de Cronos, o Tempo) apenas nas aparências: essencialmente mítico na sua natureza, mesmo se vendo preso às ameaças da morte que o tempo traz, é próprio do humano buscar solução mais duradoura para sua existência. As festividades agrárias, os ritos da fecundidade da terra, os percursos iniciáticos são formas de resistência à ação presumivelmente destruidora do tempo (da história). A morte aí é motivo de culto à possibilidade do tempo cíclico, e da possibilidade do retorno. Aí, também, a estória se opõe dramaticaticamente à História. Não seria mais o caso de "Era ums vez...", mas de "Era uma voz" (a contar a estória...) destinada a permanecer (ou até ir, mas com mil razões para recomeçar).

Os mitos abrem as portas para uma leitura do mundo como “matéria vertente”, quando se pode vislumbrar o retorno do já invisível de novo ao visível sob a mesma ou uma outra forma. Quantas vezes se contou a “história” de Eros e Psiqué? Impossível saber. E o que ela tem de tão especial que volta sempre, todos os dias, a ser contada e "vivida"? Deve haver nela algo de tão humano que não pode ser jamais esquecido. O mesmo vale para Cronos e Tanatos e tantas outras... Quem pode dizer que “está tudo sob controle é apenas o Ego”, coitado. Digo assim porque o pobre foi inventado para dizer isto: que é quem é porque está no controle e tudo está sob controle. Quimera: não existe nada, de alguma relevância, sob controle.

A superação do tempo ou o sentido da permanência humana está fora de sua componente consciente ou até mesmo fora do homem enquanto indivíduo. Nele, enquanto indivíduo, o essencial apenas se manifesta e, na maior parte e com mais frequência no que está precisamente fora de controle: a inconsciência e o "erro". “Visualizar” conscientemente as imagens primordiais, identificar os olhares familiares da floresta de símbolos que nos cerca é, de certa maneira, entrar em contato com o que existe de mais humano na humanidade. O estudo dos mitos, nas suas infinitas versões e atualizações pode ser um caminho que nos leve ao encontro daquilo que pode recomeçar. O o que está aqui o tempo todo.

Um comentário:

  1. Olá, será que mãe, ou qualquer significante é mitema? pela complexidade não pode ser equivalente ao fonema, ao morfema, está no nível da linguagem, mas decola dela. Nesse decolar, CL Strauss pode ter intuido que o mito se projeta ao universal. Encontramos eles em diversas culturas. Em Bela Vista, como é vivia a morte? Igual que no Hades? Dá vontade de sair pelo mundo escutando...

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