“(...) a
profundidade perspectiva da geometria e da pintura ocidental não é mais que um
caso particular e materializado de uma espontânea hierarquia das figuras. Nada é
mais significativo que o exemplo da pintura: apesar da insipidez funcional das
duas dimensões do quadro, recria-se espontaneamente uma terceira dimensão, não
só graças aos processos ocidentais do trompe
l´oeil, como também numa simples defasagem de valores ou cores que fazem ‘girar’
uma superfície objetivamente plana, mas sobretudo no desenho e na pintura do
primitivo, da criança, ou do Egito antigo, a imaginação reconstitui
espontaneamente a sua profundeza enquanto as figuras se sobrepõem verticalmente
no plano do quadro. É essa a razão essencial pela qual todas as escolas de
pintura ̶ salvo a do renascimento ̶ desdenham
deliberadamente os ‘artifícios’ da perpectiva geométrica, sabendo bem que a
terceira dimensão é um fator imaginário acordado a qualquer figura como por
acréscimo. É que todo o espaço ‘pensado’ comporta, em si mesmo, domínio da
distância, que abstraída do tempo, espontânea e globalmente registrada,
torna-se ‘dimensão’ na qual a sucessão do distanciamento se esbate em proveito
da simultaneidade das dimensões. Pode parecer pôr-se de parte o tão célebre
pseudoproblema que consiste em interrogarmo-nos sobre qual sensação nos provoca
a profundidade. Porque a profundidade não é qualitativamente distinta da
superfície, pois que o olho se ‘deixa enganar’. Mas é distinta, temporalmente
para o esforço e algebricamente para o conceito. Globalmente as três dimensões
são dadas no seio da imagem. Do mesmo modo que a nenhum psicólogo se põe o
problema de saber de onde vem a primeira ou a segunda dimensão, também não nos
devemos interrogar sobre a origem da terceira. É o tempo e a espera que
transformam essa dimensão em distanciamento privilegiado, mas primitivamente
para o imaginário, como para a vida, para o pintinho que quebra a casca e corre
para o verme, o espaço revela-se de pronto com suas três dimensões. O espaço é,
constitucionalmente, convite à profundidade, à viagem longínqua. A criança que
estende os braços para a lua tem espontaneamente consciência dessa profundidade
ao alcance do braço, e só se espanta por não atingir imediatamente a lua: é a
substância do tempo que a decepciona, não a profundidade do espaço. Porque a
imagem tal como a vida não se aprende: manifesta-se. A ‘relação de conjunto’
dos fragmentos topológicos está ligada à própria concepção desses fragmentos
como plurais, ao ato sintético de qualquer pensamento manifesto” .
Gilbert
Durand, em As estruturas antropológicas
do imaginário, Martins Fontes, 2002, p. 409-11.
Um texto que pede umas boas taças de vinho....
ResponderExcluirSe passaria, então, horas a questionar sobre o que definimos da busca do verdadeiro em suas partes giratórias,e que a forma não impede o seu significado do que é em si como tal, em espécie, forma e conceito...
[renderia isso boas e altas risadas, de preferencia se olhando uma bela lua cheia...rs]
Beijao
Pena eu não beber nada que contenha álcool.
ExcluirObrigado pela sempre honrosa visita e a gentileza do comentário.
Gilson.
Sabe aquela identificaçao que pede? é um saquinho e nao serve pra nada....tão facil tirar.
ResponderExcluirdeixo a sugestao:
entra em design , clique comentários e depois
procure:
Exibir uma confirmação de palavras para os comentários? clique em não.
(nao precisa aceitar )
beijo
Margoh, recebi essa sugestão há uns seis meses e estou certo de tê-la acatado. O problema é que sou muito lento para as coisas práticas. Acabo de aceitar de novo a sugestão.
ExcluirObrigado por me lembrar.
Abraço.
Gilson.
Das aulas de perspectiva geométrica ginasiais e da análise da profundidade do quadro da Monalisa, posso concluir que a pintura é uma obra estética que atinge a sensibilidade das pessoas de maneiras diversas. A aula de hoje compartilharei. Um abraço, Yayá.
ResponderExcluirOlá, Yayá, quanta honra!!
ExcluirAula de Durand, que analisa o triplo caráter da imagem, no que ele chama de 'ocularidade', 'profundidade' e 'ubiquidade'. Esta última desdobrando-se na 'participação' e na 'ambivalência', rompendo-se, assim, a estrutura da lógica aristotélica, que é o de fato me importa nesta lição.
São fragmentos de textos do meu trabalho no mestrado que, muitas vezes duros de roer, eu os lanço aqui. Fiquei contente que tenha gostado, pois é do principal teórico dentre os que sustentam minha conversa.
Receba um grande abraço. Bom final de semana.
Obrigado.
Gilson.