"De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não
pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de difícil, peixe vivo no
moquém: quem mói no asp'ro não fantasêia. Mas, agora, feita a folga que me vem,
e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei nesse gosto de
especular ideia. O diabo existe e não existe. Dou o dito. Abrenúncio. Essas
melancolias. O senhor vê: existe cachoeira; e pois? Mas cachoeira é barranco de
chão, e água caindo por ele, retombando; o senhor consome essa água, ou desfaz
o barranco, sobra cachoeira alguma? Viver é negócio muito perigoso...
"Explico ao senhor: o diabo vige dentro do homem, os crespos do homem - ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadão, é que não tem diabo nenhum, nenhum! - é o que digo. O senhor aprova? Me declare tudo, franco - é alta mercê que me faz: e pedir posso, encarecido. Este caso - por estúrdio que me vejam - é de minha certa importância. Tomara não fosse... Mas, não diga que o senhor, assisado e instruído, que acredita na pessoa dele?! Não? Lhe agradeço! Sua alta opinião compõe minha valia. Já sabia, esperava por ela - já o campo! Ah, a gente, na velhice, carece de ter sua aragem de descanso. Lhe agradeço. Tem diabo nenhum."
Riobaldo, em Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário