“A
explicação que Bergson propõe para o fenômeno da hipermnésia repousa por
completo na ideia de que ele é determinado, não por uma adição, um crescimento,
ou o aparecimento de algum elemento novo e positivo, mas ao contrário, pela
diminuição, até mesmo pelo desaparecimento ou a ausência do que está
habitualmente presente e ativo no espírito. É essa deficiência e essa ausência,
esse acontecimento totalmente negativo, que faz jorrar no espírito o que há de
mais positivo: a lembrança total, ou seja, a apreensão do eu por ele mesmo.
“Para
compreender este paradoxo essencialmente bergsoniano, é preciso lembrar qual é,
para Bergson, a atitude habitual do espírito. Essa atitude, Bergson não cansou
de repetir: é a atenção à vida. Uma consciência prática, sempre orientada para
o futuro, dedica-se a concentrar os seus esforços naquilo que transforma sem
cessar o presente em futuro. Do passado, apenas apreende e aceita o que pode
ajudá-la a esclarecer o que é, a preparar o que será. Ela é como uma ponta
móvel que coincide com o presente e mergulha com ele rumo ao futuro. Estar
atento à vida é ser este ponto e esta ponta, o máximo de concentração, mas
também o mínimo de espaço, resserrement
(contração) extrema do ser no ‘pequeno círculo traçado ao redor da ação
presente’.
“Estar
atento à vida, portanto, é estar atento ao presente, ao futuro, à ação, a tudo
o que delineia à sua frente no campo prospectivo, extraordinariamente contraído,
do olhar; ao mesmo tempo, ainda que Bergson não se expresse nesses termos, é
também estar desatento à sua própria
vida – se por sua vida entende-se o imenso campo retrospectivo onde se conservam
as lembranças, que Baudelaire denominava de profundidade da existência”.
Georges Poulet, em O espaço proustiano, Imago Ed., 1992, p.
127-8.
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