terça-feira, 5 de junho de 2012

Ocularidade I

"Tal como a mescalina transformou o atlas auditivo em atlas visual, há em nós uma aptidão para traduzir qualquer sensação e qualquer rastro perceptivo em temas visuais. A ocularidade vem iluminar com a sua luz todas as excitações sensoriais e os conceitos. É o que a terminologia visual das artes musicais manifesta: altura, volume, medida, crescendo apenas exprimem, através da imaginação musical, o caráter topológico profundo de qualquer imagem. A simetria, essa virtude de reconhecimento visual, está na base da fuga, da harmonia e da música serial. Stravinsky confessa que tem 'um gosto muito vivo por essa espécie de topografia musical'. É também essa a razão pela qual qualquer expressão iconográfica, mesmo a mais 'realista', transborda sempre para o lado do imaginário. O fato de ver e de dar a ver está à beira de uma poética. O que dá conta das artes fotográficas: 'a objetiva' da máquina fotográfica, sendo um ponto de vista, nunca é objetiva. A contemplação do mundo é já transformação do objeto. A ocularidade é, assim, de fato, qualidade elementar da forma a priori da fantástica".

Gilbert Durand, em As estruturas antropológicas do imaginário, Martins Fontes, 2002, p.409.





9 comentários:

  1. Há distorções de tal modo perfeitas que, o que nos fica delas, é somente a agradável sensação do fantástico. Perspetivas minhas...

    Beijo

    Laura

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    1. Laura, obrigado pela visita e comentário.
      Aceitando sua perspectiva e, portanto, as distorções advindas do olhar do observador, defendo uma entrega mágica à imagem, que, assim, será sempre essencial (livre das marcas do tempo) e poética. Tratar-se-ia não de "significar em si", mas de "significar para".
      Beijo.
      Gilson.

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    2. Tem razão. A questão está, de facto, nas Preposições 'em' e 'para'.

      Como é que não pensei nisso?

      Beijo

      Laura

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    3. Laura, obrigado pela atenção da visita e do comentário. Seja sempre bem-vinda.

      Permita-me pensar em duas coisas a partir de sua manifestação sobre a casa: a) vamos chamar de "casa" aquele "espaço do aconchego". Esta casa, você e todo e qualquer ser humano só tem uma. E aí este espaço pode ser qualquer "lugar", desde que signifique pra você "aconchego", "proteção", "acolhimento", eu diria até, figurando, um casulo, o ventre materno, a infância na casa da vó... Esta casa não "passa nunca", aí não existe tempo. É só espaço. O fantástico espaço do repouso e da esperança; b) todas as outras "casas" são projeções daquela primeira, estarão carregadas de luta contra o tempo, com tudo que isso possa significar de desconforto, conflito, instabilidade, passagem (no sentido de que está no domínio do tempo). Quando digo que casas desse tipo são "não lugares" nem precisaria dizer "presentemente". Todos os não lugares pertencem ao presente, pertencem ao tempo, que nem existe, são acidentes. Se em "b" a figura é a antítese (o enfrentamento), em "a" a figura é o eufemismo (a conciliação com o tempo, seja pela mística – do tempo sagrado –, seja pela síntese – do tempo cíclico).

      A casa do sonhador é um espaço (imaginário) para onde ele vai sempre que precisa descansar.

      Beijo
      Gilson.

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    4. Já cá vim, li e chorei. Vim de novo e esquematizei tudo o que, de forma simples, me escreveu. Vivo num não lugar que eu queria que não fosse um mero acidente, mas é. Por causa disso tenho uma sede imensa do espaço-tempo eufemístico pois é nele que reorganizo toda a minha força.

      Já agora, Gilson, onde fica esse imaginário, que me possibilitará descansar desta luta antitética?

      Obrigada! Há caminhos que temos de percorrer. O meu foi ter chegado aqui.

      Beijo

      Laura

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    5. Oi, Laura.
      Não tenho respostas prontas para nada e acho que é muito complexo (para mim) o que anotei mais acima, na resposta que você comenta. A minha base teórica no mestrado é a chamada "crítica do imaginário": Husserl, Jung, Sartre, Bachelard, Merleau-Ponty, Gilbert Durand.

      Esse imaginário talvez não "fique" em nenhum "lugar" específico ou não mantenha nenhuma relação física ou geográfica como as ciências o veem. As estruturas desse imaginário é que devem ser buscadas. Eu as busco na Antropologia (especialmente em Lévi-Straus) e na Psicologia das profundezas (especialmente em Jung).

      Outra estudiosa, Zaira Turchi, parafraseando Durand, defende que "o imaginário, no sentido antropológico, é a totalidade das imagens produzidas pelo homem, sem nenhuma determinação histórica ou geográfica, individual ou coletiva, consciente ou inconsciente, normal ou patológia (...) soma das representações do homem, que (...) despreza o conteúdo do 'real' e (...) reforça o semantismo das imagens".

      Tudo me parece relacionado à reflexologia, que determinaria o que Durand chama de "os regimes do imaginário": a) o diurno (de enfrentamento do tempo, de ascensão, fuga da morte, não aceitação da finitude, apego ao consciente e à lucidez e b) o noturno (de busca de uma conciliação com o tempo, aceitação do "fim" das coisas ou, melhor dizendo de suas transformações. Esse regime noturno se partiria em dois caminhos: a via mística e via circular ou sintética.

      Não tenho dúvidas de que vivemos sob a hegemonia do regime diurno da imaginação humana, que é insuportável para muitas pessoas (eu, por exemplo).

      Você está certíssima: trata-se de uma travessia.

      Beijo e obrigado por escrever aqui. Você engrandece este espaço.
      Gilson.

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    6. Você poderia tirar uma dúvida: afinal, o que é a fantática transcendental? Seria a imaginação ou a imagem? Com relação ao espaço fantástico, depois que li o que você disse aqui, clareou um pouco. Enfim...Estou estudando a teoria de Durand, mas estou com muitas dúvidas quanto à fantástica. Quanto aos regimes, já estou compreendendo bem, mas a fantática.....

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  2. Gilson, así es, no es el objetivo de la cámara el que fotografía una imagen, es la mirada subjetiva de quien contempla la realidad.
    Abraços

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    1. Gracias, Felicidad. Asi lo pienso. Las más variables y diversas "ciencias" lucham por objectos que no existem, o, más exatactamente, no resistem al tiempo. Digo que lo que resiste al tiempo casi ni mismo es visible. Pienso en lo espacio imaginario como una morada do espírito, la caza fantástica, vecina de la caza randômica de los físicos.
      Muy amable su visita, siempre, y honorable a este sitio.
      Gilson.

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