domingo, 3 de junho de 2012

Múltiplos


Ilustração de Poty para Magma

João Guimarães Rosa terá publicado muita coisa sob pseudônimos, ou até heterônimos, como defende e demonstra belo estudo de Walnice Nogueira Galvão (A heteronímia em João Guimarães Rosa). Creio que era a persona dele mesmo a que ele mais "escondia", por ação deliberada de não querer ver sua obra diretamente veiculada à forma explícita da poesia, o que poderia trazer muito mais complicações estéticas. A sua própria avaliação era a de os seus poemas não valiam muito a pena, apesar de “não serem de todo ruins”. Não eram mesmo, pois, antes mesmo de publicar coisa alguma, o autor ganhou, ainda muito jovem e sob pseudônimo, o primeiro lugar num concurso de poesia promovido pela Academia Brasileira de Letras. Nunca quis publicar esses textos em livro, o que a família fez, muito tempo depois de sua morte (o livro de chama Magma). O que me parece mais provável é que o prosador era mais um esconderijo do poeta João Guimarães Rosa.

Anoto a seguir um dos vários textos publicados em jornais e revistas e que, depois, também foram reunidos e publicados postumamente, neste caso em Ave, Palavra:

“QUANDO COISAS DE POESIA

SE LHE NÃO FIRO A MODÉSTIA, direi, aqui, depressa, que SÁ ARAÚJO SÉGRIM, em geral agradou. Por isso mesmo, volta, hoje, com novos poemas, que só não sei se escolhemos bem. Sendo coisas mui sentidas. Sendo o que ele não sabe da vida. Digam-me, amanhã. Leiam-no, porém.

ÁRIA
Em meio ao som da cachoeira
hei-de ouvir-me, a vida inteira
dar teu nome.
Tudo o mais levam as águas,
mágoas vagas (ou sagas)
para a foz.
Vida que o viver consome.
Um rio, e, do rio à beira,
tua imagem. Minha voz.
A cachoeira
diz teu nome.

QUERÊNCIA
Um vaga-lume
muge
na noite e distância
de uma chuva que estiou, chuvinha,
de uma porteira que bate, que range e que bate,
de um cheiro de únicos úmidos verdes inventos
de amigas árvores, agradadas,
de um marulho de richo, de muitos e matinais pássaros,
de uma
esperança-e-vida-e-velhice e morte
que faz em mim.

ESCÓLIO
O que sei não me serve.
Decoro o que não sei.
Relembro-me:
deslumbro-me, desprezo-me.
O querubim é um dragão
suas asas não se acabam.
sempre ele me acha em falta
ou no remorso de tanta lucidez.
Somos, anciãos, juntos,
do nada –
que é humano e nos envolve.
A gente tem de tirar dele
algo, pedaço de alto:
alma, amor, praga (ou lágrima) ou poema.

TORNAMENTO

I

A viagem dos teus cabelos –
estes cabelos povoariam legião de poemas
e as borboletas circulam indagando tua cintura,
incertamente. Teu corpo em movimento
detém uma significação de perfume.
o som de um violino conseguiria dissolver
um copo de ouro?

II

Houve reis que construíram seus nomes milenários
e poetas que governam palácios em caminhos.
Povos. Proêmios. Penas.
Mas toda você, um gosto só, matar-me-ia a sede
e teus péus e rosas.

III

Às vezes – o destino não se esquece –
as grades estão abertas,
as almas estão despertas:
às vezes,
quando quanda,
quando à hora,
quando os deuses,
– os entes –
a gente
se encontra.”

JOÃO GUIMARÃES ROSA, em Ave, Palavra.


4 comentários:

  1. Ciao,
    ci ho messo tanta buona volontà...ma per me è troppo difficile capire il senso reale, percepisco parole singole che nuotano nelle frasi, ma niente di più...
    Ne approfitto per salutarti: ciao, ciao, Floriana

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    1. Ciao, Floriana.
      João Guimarães Rosa ha detto uno giorno: "il mio miglior traduttore è Edoardo Bizarri. Chi vuole capire miei testi dovrà leggere in italiano". It is really very difficult even in portuguese. Sorry... But I am so happy for your visiting. Thank you, I hope you coming back soon.
      Grazie. Ciao.
      Gilson.

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  2. OI GILSOSN!
    COLOCAR AQUI, ESCRITOS DE GUIMARÃES ROSA, É NOS PROPORCIONAR UM DELEITE PARA A ALMA...
    ABRÇS

    zilanicelia.blogspot.com.br/
    Click AQUI

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    1. O, Lani!
      Deleite, sim, mas também mistério e dificuldade. Ele é meu objeto de pesquisa e, também por isso, aparece muito aqui. Fico feliz em saber que compartilha esse gosto. Obrigado pela visita e o simpático comentário.
      Abraço.
      Gilson.

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