sábado, 3 de março de 2012

Romances






Quantas lembranças um livro pode trazer. O que um livro pode guardar de espaços, traços que unem vidas. Ontem qualquer coisa trouxe de volta às minhas mãos o velho O Coronel e o lobisomem. Nome completo: “Deixados do Oficial Superior da Guarda Nacional, Ponciano de Azeredo Furtado, natural na praça de São Salvador de Campos dos Goitacazes”. José Cândido de Carvalho. Poty e Appe. Deixei-me ficar a segurar o livro e a observá-lo sem abrir. Sem mover nada, todos os nove céus giravam: eu recordava. O livro trazia de volta ao meu coração uma vida inteira que ainda é. 41ª edição, 1994. Não é qualquer ano: fazia um ano um encontro eterno para mim, nesse 1994. Na capa, que reproduz xilogravura de Cyro, o charuto, as mãos grossas, a barba, a rudeza do olhar ameaçador e amedrontado do Coronel Ponciano de Azeredo Furtado. Vou voltando e contemplo na lombada o sobre e sublinhado JO, de tantas façanhas. José Olympio Editora. Do outro lado, outro Cyro, xilo: Ponciano com a sereia nos braços, rostos de Pablo Picasso, lua cheia ao fundo, cabelo e mar. Susto. O Sobradinho, uma fazenda, um reino. Um papagaio me aparece e eu aperto o livro nas mãos. Fecho os olhos. O branco e o laranja e o escuro das gravuras ainda se demoram, fixados, mas vão sumindo... De olhos fechados vejo Ponciano de pé, firme, inseguro, ombros para trás, com medo, fuzilando com os olhos, quase a se borrar no umbral da fachada do Sobradinho. Gritando a chorar. Um desastre de homem tão humano... Acolhedor. Que acolhe a dor. Um dia ela me disse: “É o melhor livro que já li”. Eu disse apenas que ela tinha bom gosto e passamos a nos rir muito dos ventos encanados e das guerras de exterminação.
 

2 comentários:

  1. Gilson,
    Não conheço o livro mas a história que conta dele traz a vontade de o procurar.

    Muito interessante esta postagem. O desenho é lindíssimo.
    Um abraço e obrigada pela visita.
    Ana

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    1. Ana, obrigado pela visita e pelos comentários. Quanto ao "Coronel", foi o livro preferido de minha amada, que não está mais comigo, apesar de eu ainda estar com ela. As razões para as cordas vibrarem dissonantes.
      Abraço.
      Gilson.

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