Na sua última crônica para a BBC Brasil (transcrita abaixo),
enviada na quinta-feira, 07, Ivan Pinheiro Themudo Lessa parecia "brincar" de estar morto. Ivan Lessa morreria no dia seguinte, ontem, 08 de junho, aos 77 anos.
|
Foto: BBC Brasil; Fonte: g1.com.br |
Orlando Porto
Minhas contribuições de frasista em homenagem ao
mestre Millôr e Roland Topor.
Orlando
Porto. Taí um nome como outro qualquer. Podia ser corretor de imóveis,
deputado, ministro, farmacêutico. Mas não é. Trata-se de um anagrama de um
escritor francês - e ator e ilustrador bom e autor e figurinha difícil francesa
e aquilo que se poderia chamar de "frasista".
Feio como um
demônio, no meio da década de 50 cansei de dar com ele dando comigo lá pelo
Boulevard St. Germain, cheretando o Flore, o Lipp, fazia uma cara que quem ia
dizer algo importante e logo sumia na companhia do Jean-Pierre Léaud, aquele
maluquinho dos filmes autobiográficos do Truffaut.
Dupla
estranha. Os desenhos do -esse seu nome, artístico ou de batismo, Roland Topor-
eram bacaninhas. Mas sempre foi Orlando Porto para mim.
Fez cinema
também. O Inquilino do Polanski, o Reinfeld de Nosferatu, do Werner Herzog. Até
que bateu o que ocultava seus pés: umas botas estranhas como ele.
De vez em
quando, numa revista esotérica, dou com ele. Ei-lo numa em inglês com "100
boas frases para eu matar agorinha mesmo". Se chegou ao fim, e chegou, foi
pelo cachê. Meros galicismos literários.
E aí trago à
cena, mais uma vez, porque cismei, mestre Millôr Fernandes. Esse era
profissional. Nada a ver com "frasista". Trabalhava com a enxada dura
da língua. Nunca para dar a cara no Flore, principalmente com Topor e Léaud.
Reli umas
100 frases do Orlando, ou Topor, e não resisti à tentação de, em algumas delas
dar-lhes uma ginga por cima e outra por baixo, à maneira do frescobol querido
do mestre, só para exercitar os músculos muito fora de forma.
Cem razões:
Faço por bem menos, mas mais Copacabana e Leblon. Algumas raquetadas minhas em
homenagem ao mestre cuja falta continuo sentindo:
- Melhor
maneira de verificar, antes, se já não estou morto.
- Mas não se
mata cavalos e malfeitores?
- Pelo menos
eu driblaria o câncer.
- Milênio
algum jamais me assustará.
- Apanhei-te
horóscopo! Pura enganação!
- Levo
comigo a reputação de meu terapeuta.
- Pronto,
agora não voto mais mesmo! Chegou!
- Aí está:
uma cura definitiva para a calvície.
- Enfim
cavaleiro do reino de sei lá o quê.
- A vida
está pelos olhos da cara. Pra morte eles fazem um precinho especial, combinado?
- Enfim, ano
bissexto nunca mais. Esses ficam para o Jaguar. O resto pro Ziraldo.
- Ao menos é
uma boca de menos a sustentar.
- Só quero
ver quanta gente vai sincera no meu funeral.
- Pronto!
Inaugurei estilo novo: Arte Morta.
- Sabe que
minha vida não daria um filme. O livro eu já escrevi. Deixem o desgraçado em
paz, peço-lhes.
- Custou,
mas estou acima de qualquer lei que vocês bolarem aí.
- Levou
tempo, mas cortei enfim meu cordão umbilical.
- Roncar,
nunca mais. Nem eu nem ninguém ao meu lado.
- Que
desperdício nunca ter fumado em minha vida!
- Consegui
preservar o mistério sempre girando em meu torno.
- Maioria
silenciosa? Essa agora é comigo.
- Na
verdade, nunca me senti à vontade nessa posição incômoda de cidadão do mundo.
- Ei,
juventude, pode vir que pelo menos uma vaga está aberta.
- Emagrecer
é isso aqui.
- Agora é
conferir se, do outro lado, sobraram tantas virgens assim.
E assim,
cada vez que um "frasista" passar por perto de mim, leve uma nossa:
minha e de Millôr. Dois contra um, a gente ganha mole.