sexta-feira, 6 de maio de 2011

O Encontro com um mito


Cinco mil quilômetros rodados eu e Deus e meus anjos pelo norte, centro e nordeste de Minas, sul, recôncavo, centro e extremo oeste da Bahia. Um dia, em estrada de chão de barro de muita liga, o céu carregado de pesadas nuvens, em meio ao cerrado dos lados, já chovia de manhã bem cedo quando pequei a estrada. Quase nada se via além do mato puro, sem marcas de cultivo na terra, nove horas da manhã e era como se ainda fosse madrugada alta. Tudo cinza, no que se poderia chamar, com os antigos, de "tempo feio". O trajeto foi feito com muito cuidado, pelo terreno escorregadio e mole, de buracos enormes. De repente, assim, do nada, uma placa informa solenemente: cidade. 

Estava na cidade de Serra das Araras, Minas Gerais, muito acima da margem esquerda do São Francisco. Uma cidade de duas ou três ruas, desmanchando-se sob aquelas águas que não paravam de descer dos céus. Desde seis meses antes, quando planejei a viagem, Serra das Araras estava anotada no roteiro. Nunca podia imaginar, não esperava encontrar, um lugar como aquele, nas circunstâncias em que encontrei. Diferentemente de como algumas pessoas pensaram, não fiz aquela viagem para ir ao Sertão. Além do mais Serra das Araras só é "o sertão porque o sertão está em toda parte". O problema é que eu me encontrei com o mito. Estava tudo ali, todos os mitemas, que eu poderia elencar agora um após o outro, mas vou ficar apenas com o "lugar vazio". Uma cidade vazia de gente, vazia de casas, vazia de ruas, no meio do nada. Com Deus.

Fiquei por lá quase a manhã toda e vi umas dez pessoas, no máximo. Não quis saber as razões, evidentemente. Talvez porque as intuisse: eu estava no meio de uma imagem, da mais pura invenção da realidade. Não quis conversar com ninguém, para não perturbar a mim, o que estava vivendo. Por fraqueza, fiz algumas fotografias, porque não precisava delas. De passagens por Unaí, Montes Claros, Januária, Salinas, Itabuna, Ilhéus, Salvador, Valença, Feira de Santana, Seabra, Barreiras, o que não me sai da memória é a cidade de Serra das Araras-MG. Como uma miragem, epifania, revelação. Lá, naquele lugar inventado, eu sei que vivi um espaço livre do tempo.

Outro dia disse que precisava voltar a esse lugar. Hoje penso que isso não é necessário: Serra das Araras veio viver comigo. Não preciso ir lá porque ela estará em toda a parte, pelo menos onde eu estiver.

2 comentários:

  1. err serra das arararas...que amo de paixão

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    1. Serra das Araras virou terra minha, mitológica, imaginário espaço. Conversando com o Brasinha, em Cordisburgo, fiquei convencido de que o "Paredão" do "Grande sertão: veredas" é Serra da Araras.
      Obrigado pela visita.

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