segunda-feira, 9 de maio de 2011

Nietzsche e a tragédia 2

O Nascimento da tragédia
Friedrich Nietzsche
Cia. das Letras, 1992
"Se temos de aceitar mesmo uma tendência antidionisíaca atuante antes de Sócrates, que só com ele ganha uma expressão inauditamente grandiosa, nem por isso devemos recuar assustados diante da questão de saber para onde aponta um fenômeno como o de Sócrates; o qual, em face dos diálogos platônicos, não estamos em condição de apreender apenas como um poder negativo dissolvente. E é tão certo que o efeito imediato do impulso socrático visava à destruição da tragédia dionisíaca que uma profunda experiência vital do próprio Sócrates nos obriga a perguntar se de fato existe necessariamente, entre o socratismo e a arte, apenas uma relação antipódica e se o nascimento de um 'Sócrates artístico' não é em si algo absolutamente contraditório.
"Aquele lógico despótico, cumpre afirmar, tinha aqui e ali, com respeito à arte, o sentimento de uma lacuna, de um vazio, de meia censura, de um dever talvez negligenciado. Com frequência vinha-lhe, como na prisão contou a seus amigos, uma e a mesma aparição em sonho, que sempre lhe dizia o mesmo: 'Sócrates, faz música'. Ele se tranquiliza, até os seus últimos dias, com a opinião de que o seu filosofar é a mais elevada arte das Musas, e não acredita plenamente que uma divindade venha lembrá-lo daquela 'música popular, ordinária'. Por fim, na prisão, para aliviar de todo a sua consciência, dispõe-se a praticar também aquela música por ele tão menosprezada. E nesse estado de espírito compõe um proêmio a Apolo e põe em versos algumas fábulas esópicas. O que o impeliu a tais exercícios foi algo parecido à voz monitória do daimon, foi a sua percepção apolínea de que não compreendia, qual um rei bárbaro, uma nobre imagem de um deus e corria assim o perigo de ofender sua divindade - por sua imcompreensão. Aquela palavra da socrática aparição onírica é o único sinal de uma dúvida de sua parte sobre os limites da natureza lógica: será - assim devia ele perguntar-se - que o não compreensível para mim não é também , desde logo, o imcompreensível? Será que não existe um reino da sabedoria, do qual a lógica está proscrita? Será que a arte não é um correlativo necessário e um complemento da ciência?" (p.90-91)

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