domingo, 3 de abril de 2011

Mircea Eliade I - "A Lua e a mística lunar"


"A Lua e o tempo.
"O Sol permanece sempre igual, sem qualquer espécie de 'devir'. A Lua, em contrapartida, é um astro que cresce, decresce e desaparece, um astro cuja vida está submetida à lei universal do devir, do nascimento e da morte. Como o homem, a Lua tem uma 'história' patética, porque a sua decrepitude, como a daquele, termina na morte. Durante três noites o céu estrelado fica sem lua. Mas esta 'morte' é seguida de um renascimento: a 'lua nova'. O desaparecimento da Lua na obscuridade , na 'morte', nunca é definitivo. Segundo um hino babilônico dirigido a Sin, a Lua é 'um fruto que cresce por si mesmo'. Ela renasce da sua própria substância, em virtude do seu próprio destino.
"Este eterno retorno às suas formas iniciais, esta periodicidade sem fim fazem com que a Lua seja, por excelência, o astro dos ritmos da vida. Não é, pois, de surpreender que ela controle todos os planos cósmicos regidos pela lei do devir cíclico: águas, chuva, vegetação, fertilidade. As fases da Lua revelaram ao homem o tempo concreto, distinto do tempo astronômico, que só posteriormente foi descoberto. O sentido e as virtudes mágicas das fases da Lua eram já definitivamente conhecidos na época glaciária. Encontramos o simbolismo da espiral, da serpente e do raio - derivados todos da intuição da Lua considerada como norma da mudança rítimica e da fertilidade - nas culturas da região glaciária da Sibéria. O tempo concreto era, sem dúvida, medido por meio das fases da Lua. E, ainda nos nossos dias, certos povos nômades que vivem da caça e da recolecção (Jaeger-und Sam mlervölker) só utilizam o calendário lunar. A mais antiga raiz indo-ariana relativa aos aos astros é a que designa a Lua: é a raiz me, em sânscrito mâmi, 'eu meço'. A Lua é o instrumento de medida universal. Toda a terminologia relativa à Lua nas línguas indo-europeias deriva desta raiz: mâs (sânscrito), mâh (avéstico), mah (velho prussiano), menu (lituano), mêna (gótico), méne (grego), mensis (latim). Os germanos mediam o tempo segundo a noite. Vestígios desta medida arcaica encontram-se ainda nas tradições populares europeias: certas festas são celebradas de noite, como por exemplo, a noite Natal, de Páscoa, de Pentecostes, de S. João, etc.", Mircea Eliade, Tratado de história das religiões, p.127-128.

Imagem: Google imagens (reflectmeyself.blogs.sapo.pt).

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