sexta-feira, 22 de abril de 2011

Mariana Pineda V - Terceira estampa

Mariana Pineda
(romance popular em três estampas)
Federico Garcia Lorca, 1925

  TERCEIRA ESTAMPA

"Convento de Santa Maria Egipcíaca, de Granada. Traços árabes. Arcos, ciprestes, chafarizes e murtas. Há alguns bancos e velhas cadeiras de couro. Ao levantar-se o pano o palco está vazio. Soam o órgão e as longínquas vozes das monjas. Pelo fundo vêm correndo nas pontas dos pés e olhando para todos os lados, a fim de não serem vistas, duas Noviças. Vestem touquinhas brancas e trajes azuis. Aproximam-se em segredo de uma porta à esquerda e olham pelo burado da fechadura". 

Cena 1
O que as Noviças vêem é Mariana, presa e rezando. Comentam que ela está presa porque bordou uma bandeira e porque não gosta do rei. Todas, inclusive Carmen, a Superiora, a julgam inocente.

Cena 2
Mariana aparece e pede a Carmen se não poderia ficar ali no convento para sempre. Antes da resposta, diz que isso não poderia se dar porque já está morta. Diz ainda Mariana que espera o perdão de Deus (o que é garantido pela Monja), que compreende que estava cega (de amor), e, perguntada, confirma sua presença na novena, como faz todas as tardes.

Cena 3
Alegrito, o jardineiro do convento, a pedido de Mariana foi à casa de Dom Luís para saber notícias sobre a sua situação. Alegrito pede paciência para ouvir o que ele tem a dizer: que é impossível pretender salvá-la; que nem tentarão porque todos morreriam; mesmo assim fariam o que pudesse ser feito. Mariana interpreta a seu modo: "E frão tudo! Estou certa! São pessoas de nobreza e eu sou nobre. Olha, Alegrito, não vês como estou serena?" Pelo jeito, continua cega, malgrado tenha dito o contrário minutos antes. Pressionado por Mariana, Alegrito dá também notícias de Dom Pedro: "O cavaleiro dom Pedro de Sotomayor vai embora da Espanha, segundo dizem. Dizem que vai pra Inglaterra. Dom Luís soube que isto é certo". O delírio de Mariana começa a aparecer em suas palavras: " Dom Pedro virá a cavalo como louco quando saiba que me têm aprosionada por bordar sua bandeira. E, se me matam, virá para morrer a meu lado porque me disse uma noite ao beijar minha cabeça. Há de vir como um São Jorge de diamentes e água negra, ao vento a maravilhosa flor de uma capa vermelha. E porque modesto e nobre, para que ninguém o veja, virá pela madrugada, pela madrugada fresca, quando sobre o céu sombrio brilha o limoeiral apenas e a aurora finge nas ondas fragatas de somra e seda. Tu que sabes? Que alegria! Não tenho medo, compreendes?". Mariana ainda pede a Alegrito que volte a Dom Luís para dizer que ela está satisfeita por saber que virão todos para salvá-la, no momento oportuno.

Cena 4
Mariana sozinha, indo em direção ao horto: "À beira d`água, à beira, sem que a visse ninguém, morreu minha esperança. À beira d`água, à beira, sem que a visse ninguém, morreu minha esperança". Carmen se aproxima, trazendo com ela Pedrosa. Será sua última tentativa.

Cena 5
O delírio de Mariana aparece claramente. Diz que não poderá ser morta, porque tem amigos, porque toda Granada teria que morrer, porque é nobre, porque é filha de um Capitão, porque tem o percoço curto, belo e branco para ser justiçada, porque alguém virá salvá-la. Pedrosa diz que não quer vê-la morta e quer salvá-la, basta que, para isso dê os nomes dos conspiradores. Diz ainda que o tempo se esgotou: até o final do dia a virão buscar para garrotear, mas isso pode ser evitado se, dando os nomes, consiga o indulto do rei. Bravamente, Mariana declara que não falará. Pedrosa sai.

Cena 6
Mariana, sozinha, se lembra de uma canção antiga e pede ajuda a Pedro, chorando. Soror Carmen pede a ela que descanse.

Cena 7
Duas noviças conversam sobre Mariana, que espera um noivo que tarda. Mariana está em "divina atitude de trânsito". Encontro com as noviças, que afirmam que todos alí gostam dela. Aproxima-se Carmen, anunciando a presença de um senhor, com permissão do juiz, para visitá-la. Mariana ordena: "Que venha! Por fim, meu Deus!"

Cena 8
"Senta-se no banco, em atitude amorosa, voltada para o lugar onde têm que entrar. Aparece Madre Carmen. E Mariana, não podendo resistir, volta-se. No silêncio do palco, entra Fernando, pálido. Mariana fica estupefata". Mariana, triste, pergunta a Fernando por Pedro, pede (delirante) para que o deixem entrar, porque, segundo ela, Pedro "está lá embaixo, à porta!". Acha que Fernando veio com Pedro, que Pedro o trouxe. Dura e comovente conversa entre Fernando e Mariana. Fernando diz que todos os seus  amigos a traíram e fugiram e morrerá sozinha muito em breve e pede a Mariana que diga os nomes, pelos filhos dela e por ele, que oferece a própria vida. A resposta de Mariana: "Não quero que meus filhos me desprezem! Meus filhos hão de ter um nome claro como a lua cheia!  Meus filhos hão de levar um resplendor no rosto, que nem anos nem ventos poderão apagar! E se eu delatase, pelas ruas de Granada este meu nome seria dito com temor". Fernando ainda insiste, mas Mariana está enlouquecida e delirante, se dizendo já morta. Sai Fernando. Soror Carmen aparece para dizer que já sobrem as escadas para buscá-la.

Cena última
"Entram pela porta do fundo todas as Monjas. Têm a tristeza refletida nos rostos. As Noviças 1ª e 2ª estão em primeiro plano. Soror Carmen, digna e trespassada de pena, está perto de Mariana. Todo o palco irá adquirindo uma grande luz estranhíssima de crepúsculo granadino. Luz rosa e verde entre pelos arcos, e os ciprestes se matizam requintadamente, até parecerem pedras preciosas. Do teto desce uma suave luz laranja, que se vai intensificando até o final". Mariana se empenha em manter o coração, já despedaçado, sem desmaiar: "No entanto, que bem entendo o que diz esta luz! Amor, amor, amor, e um sem de saudades!". Entra o Juiz e, respeitoso, diz que há um carro à porta, que os espera. Mariana se despede, agradecida às Monjas e pede que não se esqueçam de seus filhos. Mariana: "Sei agora o que dizem o rouxinol e a árvore. O homem é um prisioneiro e não pode libertar-se. Liberdade do alto! Liberdade verdadeira, acende para mim tuas estrelas distantes! Adeus! Secai o pranto!". Ao Juiz: "Vamos logo!". Os sinos dobram ao longe e as Monjas se ajoelham. Carmen: "Mariana, Marianita, que belo e triste nome, que as crianças pelas ruas lementem tua dor". Mariana, saindo; "Eu sou a Liberdade porque assim quis o amor! Pedro! A Liberdade pela qual tu me deixaste. Eu sou a Liberdade, ferida pelos homens! Amor, amor, amor, e um sem fim de saudades!"
"(Um tocar de sinos, vivo e solene, invade o palco, e um coro de meninos começa, longínquo, o romance. Mariana se vai, saindo lentamente, apoiada em Soror Carmen. Todas as outras Monjas estão ajoelhadas. Uma luz maravilhosa e delirante invade o palco. Ao fundo os Meninos cantam.)"

"Oh, que dia tão triste em Granada
Que até às pedras fazia chorar
Ao ver a Marianita morrendo
Num cadafalso, por não delatar!

Pano lento
Imagem: Google images (planobrasil.com)

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