domingo, 24 de abril de 2011

Física - O Espaço 1


A Experiência do espaço na física contemporânea
Gaston Bachelard
Editora Contraponto, 2010

Capítulo 1 - Realismo e localização
Para o físico realista "a base do conhecimento do real é o quadro espacial, e a localização é a única raiz verdadeira da substancialização". Realismo ingênuo que, segundo Bachelard, deve ser superado pelo aperfeiçoamento da localização, passando, assim, "do realismo ingênuo para o realismo esclarecido". "O que mais chama a atenção é a rapidez com que o Realista recorre às experiências propriamente geométricas. Pressione-o um pouco. Argumente que conhecemos pouco desse real que ele pretende tomar como um dado. O Realista concordará, mas com a pronta resposta: 'Pouco importa que não saibamos o que é o objeto; mesmo assim sabemos que o objeto existe, pois ele está ali; você e eu sempre podemos encontrá-lo em uma dada região do espaço'. O lugar aparece portanto como a primeira das qualidades existenciais, a qualidade pela qual todo estudo deve começar, na qual também todo estudo deve terminar para ter a garantia da experiência verdadeiramente positiva. Será possível falar de uma realidade que está em toda parte? Equivale a afirmar que ela não está em parte alguma. De fato, o espaço é o meio mais seguro de nossas diferenciações, e o Realista, pelo menos quando polemiza, sempre se baseia na designação de objetos espacialmente diferenciados. Quando o Realista garante a raiz geométrica de sua experiência da localização, ele concorda facilmente com a característica não objetiva das qualidades sensoriais e até das qualidades mais diretamente relacionadas com a geometria da localização". (...) O Realista aceitará que o objeto "seja deformável, compressível, poroso, vago. Mas, ao menos, nem que seja por um único ponto, o objeto será retirado na existência geométrica. Essa espécie de centro de gravidade ontonlógico se apresentará como a raiz da experiência topológica. Chega-se a um cartesianismo pontual e já não figurado. Esse cartesianismo de centros nitidamente designados, embora distribuídos em um espaço homogêneo mal explorado, será a fonte de certezas maiores". (...) "Para a metafísica realista, um objeto particular é, antes de tudo, um ponto singular do espaço. Em torno desse ponto podem se manifestar fenômenos muito diversos; essas diversidades podem circunscrever mais ou menos o objeto: pertencerão porém a um mesmo objeto desde que tenham o mesmo centro de localização. Quem for ao fundo da certeza realista verá que o recorte que deu origem às apuradas observações psicológicas e metafísicas de Bergson e de Le Roy é feito necessariamente em torno de um centro de objetividade. O realismo nunca se contenta - como deveria fazer, ao que parece - com uma realidade fechada que realizaria na periferia dos objetos as sensações pelas quais os conhecemos". Para os Realistas, "É o centro que protege a unidade; o centro é o elemento da aritmética do real; o centro sustenta o sujeto de todas as frases predicativas nas quais expomos as qualidades do real". (...) "Se a localização pontual é tão clara, tão sólida e, por assim dizer, tão lógica, é explicável que o Realismo tenha considerado tão facilmente que estava de acordo com as doutrinas da Relatividade. O Realista não pretendia salvar as formas extensas de seus objetos reais. Bastava-lhe estar seguro de manter os centros reais de localização. Nas doutrinas relativistas, jogava-se afinal com o exterior do real; parece que se deixava ao Realista a substância interior do real. Eram modificadas as relações geométricas dos objetos; não eram modificados o seu número, a sua unidade, a sua existência absoluta, ficando entendido que a existência absoluta dos objetos é sua existência espacial pontual. O Realista aceitava, portanto, todos os paradoxos das figuras diminuídas, dos coeficientes de contração, das mudanças de escala. Limitava-se a reaplicar, ponto por ponto, coisa por coisa, o mundo matemático retificado pelo mundo intuitivo. O Realista renunciava espontaneamente a seus métodos de localização; nem por isso renunciava a seus centros de localização, descumprindo assim a prescrição primeira de toda sã filosofia: o dever de definir o objeto pelos métodos experimentais que nos oferecem as características desse objeto". "Diante das novas doutrinas quânticas, o Realista ainda julga possível fundamentar suas certezas sobre os mesmos centros. (...) Pretende compreender a física quântica sem  reformular sua própria experiência, nem seus princípios, nem sua metafísica. Embora o micro-objeto, considerado estatisticamente, tenha efeitos locais muito mal determinados, o Realista deseja que eses efeitos tenham mesmo assim uma causa local bem determinada. Ele não deseja tomar o tremor, a ondulação como todos, como sínteses coisa-movimento. Quer analisar intuitivamente esses elementos complexos que não são analisáveis experimentalmente e postula o ponto material como dotado de localização exata. (...) "Parece claro que o princípio topológico do realismo espacial só coloca em jogo uma simples e pobre relação: a relação de continente e conteúdo. De fato, já que as figuras dos objetos são apenas aspectos mais ou menos contingentes, já que a verdadeira ou pelo menos a mais forte raiz da certeza realista provém da localização segura de um objeto em uma região especificada do espaço, deve-se definir a pesquisa do real como um envolvimento progressivo; será preciso provar a certeza do realismo fixando um invólucro dentro do qual se encontrará com certeza o objeto designado: 'Meu cofre está em meu escritório; minha pasta está em meu cofre; logo, minha pasta está em meu escritório'. Estou tão seguro desse silogismo da localização quanto do silogismo da implicação. Não é sem razão que a lógica formal foi baseada nesse encadeamento de bens. Um especulador pode tentar provar que o conteúdo de minha pasta é solidário de convenções sociais - isto é, de ideias mais ou menos teóricas -, que essas convenções extrínsecas são os únicos motivos da minha fortuna, que o mundo financeiro é um complexo de leis financeiras, que uma obrigação financeira só oferece um bem real quando é realizada e que ela se realiza fora do cofre, no banco, na Bolsa, no templo dos fiduciários... O Realista sorri ao ouvir tantos paradoxos. Sem se abalar com a facilidade com que se acrescentaram temas teoréticos aos real, responde: 'A única base objetiva, real, segura, de sua ideia a respeito da realidade financeira é que suas ações estão no cofre e que o cofre está em seu escritório. Nele é que ladrões ou herdeiros poderão encontrá-las. Os motivos subjetivos para localizar um objeto podem ser bem diversos; mesmo assim, a localização se baseará unicamente na convergência dos sucessivos encadeamentos. É uma operação nitidamente centrípeda, metodicamente dirigida a um centro. Multiplicar os invólucros em torno de uma realidade é multiplicar as garantias de sua posse, é impedir as emanações, as perdas sutis. É fixá-la solidamente no espaço. Circunscrever o real equivale a estabilizá-lo'. "Eis, a nosso ver, a prova mais simples e mais forte do realismo. Se essa prova falhar, o realismo estará comprometido. Será preciso abandoná-lo ou, no mínimo, modificá-lo completamente. Ou seja, mais vale que mude de nome. É essa prova que vamos discutir agora".

Imagem: Google images (educacao.uol.com.br).

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