sábado, 30 de julho de 2011

Folhetim


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Essa rosa aqui eu a cultivo há quase trinta anos. Ela é testemunha das nuvens todas que povoaram meu espírito desde que entrei pela primeira vez nesta casa. Nuvens de poeira, visíveis claramente pelas lâminas de luz que penetravam o ambiente. Num susto, algo me fez parecer com aquela luz penetrante. Neguei essa imagem imediatamente. Mais certeza tinha era de que eu fazia parte da poeira que levantava a cada passo que dava. A casa podia ser vista, de fora e por dentro: tinha paredes, em que se podia ver cores, partes mais desgastadas, janelas e portas, chão e teto, moradores, tudo. Eis a primeira dificuldade: eu podia ver mas não podia sentir esses limites e essas presenças. Era como se eu estivesse entrando num espaço vazio, mergulhando num abismo de estrutura e de comunicação, pois era possível transpor paredes. Estive aqui mais duas vezes antes de me decidir vir morar neste lugar em que, de alguma maneira, frequento há quase três décadas

Esta foi apenas a primeira impressão. Uma impressão de poeta, talvez, e outras viriam para se colocar sobre ela.

2 comentários:

  1. Belíssimo texto sobre as impressões que podemos ter das coisas. Um abraço.

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  2. Flor do Lácio, eu também vos abraço. O "Folhetim" é uma história só, que estou anotando aos pedaços neste espaço. Tentativa de desvendar as inúmeras camadas de leitura da paisagem. Neste caso, de uma paisagem bem específica, como se poderá ver, considerando que vá até o fim.
    Obrigado pela visita.
    Gilson.

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