sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Folhetim IV

4

Ao começar a estudar a casa, sempre a regar, diariamente, aquela rosa, minha primeira descoberta foi a de que eu não estava sozinho nesse esforço. Isso me trouxe imediatamente um ânimo: eu tinha companhia com quem compartilhar o que fosse desenvolvendo. Depois, logo depois, percebi que, na verdade, estava diante de uma dificuldade. A casa era já uma espécie de esfinge a desafiar quem, como eu, decidisse saber o que ela era. Quanto pior por causa das inúmeras afirmações que se faziam sobre ela. Era como numa escavação em que se fossem descobrindo uma cidade sobre outra, que havia sido construída sobre outra e outra... Várias camadas de tinta na parede, mas isso para as pessoas que estudavam o lugar; a casa, propriamente, podia se dizer que ninguém sabia o que era.

Os estudiosos, acho que não perceberam a rosa. Antes, preocuparam-se com a arquitetura, físicamente falando: chão, paredes, formas dos telhados. Outros dirigiram seus estudos aos aspectos da linguagem dos moradores, seu jeito de falar, sua sintaxe, seu léxico. Havia ainda aqueles que buscavam as origens da construção, numa espécie de estudo de genética, sugerindo linhas de parentesco de suas formas com outras formas, comparando, comparando... Decidi-me pelo mistério: aceitar a casa e a rosa como elas me surpreenderam um dia.

Essa decisão me levou imediatamente ao velho que contava aquela história interminável àquele moço paciente à sua frente.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Problema de escala


“Uma cidade, um campo, de longe são uma cidade e um campo; mas, à medida que nos aproximamos, são casas, árvores, telhas folhas plantas, formigas, pernas de formigas, até o infinito. Tudo isso se engloba sob o nome de campo” PASCAL.

Além disso, uma mulher chora o filho distante, uma andorinha voa alto, muito alto, o cãozinho brinca com uma bola amarela, no canto do quarto há uma imagem de santo... Num sábado, a moça sem emprego e seus dois filhos pequenos são despejados porque não pagaram o aluguel... Num sábado, até o infinito. Tudo pode ser englobado sob o nome de campo.

Cidade: paisagem-texto

Os parques, as praças e as ruas são espaços de resistência física ao processo de expansão das cidades. São espécies de roças ou trilhos a provocar a memória. Gostaria de chamá-los de portas que dão passagem de um imaginário a outro. O campo e a cidade.








Um trecho de mato,
apesar do asfalto,
que posso ler na narrativa da cidade.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Caminhos do Marquinho, Mestre em Filosofia e Flautista

Umbando é selecionado para o Prêmio de Música Brasileira 2011: www.umbando.com.br.

Revisão II

Margem esquerda do médio São Francisco


Apenas mais um alerta:

“(...) Como os processos de construção das identidades são dinâmicos, deferentes gerações de intelectuais regionais podem produzir diferentes discursos ‘retificadores’ da imagem da região sobre uma matriz supostamente original, gerando várias camadas simbólicas, à maneira dos mitos. A ideia de sertão é um exemplo privilegiado dessa construção.

A etimologia da palavra sertão – sartaão, certão – usada pelos navegantes portugueses para designar o interior da África e do Brasil, em oposição ao mar e ao litoral, aponta para um lugar distante, vazio, isolado, inóspito, desconhecido, e subsequentemente, rude, atrasado, decadente e inferior.  A essa desvalorização simbólica dos espaços do sertão, viria se juntar, ainda nos primeiros momentos do processo de construção do território brasileiro, a dimensão positiva de vazio a ser conquistado e ocupado, referente de grandeza de nosso patrimônio geográfico.

Mais contemporaneamente, a definição negativa de sertão passa a medir o descompasso entre formas de organização social e de cultura expresso na noção de atraso , enquanto que a dimensão positiva incorpora a fronteira interna como lugar de encontro do impulso civilizador com os valores autênticos da nacionalidade. É com esse último sentido que ganham força mobilizadora, por exemplo, as utopias nacionalistas que pretendem combinar harmoniosamente os valores civilizatórios e os valores de brasilidade.

Voltando à construção da categoria sertão, vários dos traços considerados das regiões brasileiras localizadas no interior do país foram fixados pelo olhar  e pela pena dos viajantes europeus que aqui estiveram no século XIX. Segundo Flora Süssekind (1990, p.20), a prosa não ficcional de viagens e o paisagismo foram os dois gêneros presentes na ‘figuração inicial do narrador de ficção na produção literária da primeira metade do século XIX’. Através desse diálogo com o relato de viagem e o paisagismo, nossa narrativa surge marcadda pela descrição produzida a partir de um ponto de mira fixo e exterior, indicador de distância e desenraizamento”, Selma Sena em  Interpretações dualistas do Brasil (2003).

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Folhetim III

3

O episódio do incêndio teria acontecido muito tempo depois, talvez quinze anos. Eu não vi, me contaram: “Queimou tudo. O que não era essencialmente a casa foi destruído. Mesmo alguns pedaços dela sofreram avarias: as calçadas laterais, com assoalho feito com madeira de butiti; partes pequenas das paredes estragaram... Ninguém, nenhum de nós foi ferido”. Devia ter dormido profundamente, pois não percebi absolutamente nada. Olhei em volta e estavam todos ali. Aquela gente que já conhecia a ponto de me ser familiar, aquele velho contando uma história sem fim àquele moço paciente...
Foi quando alguém se aproximou de mim e me explicou o caso do fogo que atingiu e danificou a casa e, no que para ele era uma oferta, perguntou se eu não queria ser o dono da casa a partir daquele dia. “Ela precisa de reformas, uma limpeza, mas ainda está muito boa, se quiser repará-la, é sua”.  Na verdade eu já me sentia em casa ali, como se a casa tivesse sido minha desde a primeira vez em que ali entrei, e devo dizer que esse sentimento eu o percebia nos outros moradores. Mesmo assim apertei a mão do colega, como que fechando um negócio. Em menos de uma semana, com a ajuda de uma ou duas pessoas, reformei toda a casa, que ficou um tanto diferente na aparência (talvez menor), mas era a mesma casa de sempre. Principalmente o que ela significava para mim, nisso não mudou nada.
O que mudou muito a partir de então foi a minha forma de me relacionar com a casa e seus moradores. Passei a estudá-la.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Revisão I

Para a historiografia do Sertão, vou começar, comodamente, pelos ensinamentos do Prof. Silveira Bueno. Aviso aos navegantes: isso ainda vai piorar bastante.

“Sertanejo – adj. Rústico, natural do sertão, bronco; relativo a sertão. Lat. sertanus deriv. sertum, bosque, mata e o suf. ejo.

Sertania – n. f. Sertão, lugar interior de um país, pouco povoado e coberto de matas. De sertanus e o suf.  ia.

Sertanismo – s. m. Vida de sertão, hábitos, costumes próprios do sertão. De sertanus e o suf. ismo.

Sertanista – adj. Diz-sede quem anda pelos sertões, que os explora, que neles vive. De sertanus e o suf . ista.

Sertão – s. m. Terra interior de um país, coberta de matas e bosques e ainda pouco povoada. Do latim sertum, bosque, mata, fez-se o adj. sertanus  como de urbs se fez urbanus. De sertanus temos sertão como de manus temos mão, de vanus, vão, etc.”

Fonte:
Grande dicionário etimológico prosódico da língua portuguesa, Edição Saraiva, 1968, p. 3721.

La mer a bercé mon coeur

Dedicado à minha amada de sempre e para sempre, com desejos de muita sorte na nova caminhada.


"La mer" Charles Trenet por juanfrance