Descia sempre àquele porão.
Ali guardava coisas velhas de
que poderia precisar um dia (“Quem guarda tem”, lembrava do avô a sentenciar),
ou objetos novos para os quais não havia ainda definido um lugar apropriado na
casa. Além de ferramentas as mais diversas. Havia muitos papeis antigos também.
Ele, muitas vezes, descia aquelas escadas automaticamente, sem nenhuma razão
clara ou interesse manifesto. De toda forma, sentia a exigência de descer.
Na descida daquela tarde,
sentia-se especialmente movido pela comoção. Era uma tarde como tantas outras
de junho, amena, de vento leve, céu cinzento. Estava sozinho em casa. Bastou que
chegasse e começou a chorar. Sorvia grandes porções de ar, tentando evitar
aquilo que para ele era um desatino. Assim que saiu da escada, dirigiu-se a uma
pequena caixa de papelão ordinário, dentro da qual estavam os pedaços de amor
guardados. Tocou, um a um, todos os
objetos, apertava-os com os dedos enquanto o pensamento mudava tudo de lugar na
memória. Por segurança, guardou tudo novamente na velha caixa e perguntou-se se
a vida não era mesmo em senhas. Ainda lembrou-se do filme do Buñuel antes de
subir correndo as escadas.
Na subida sentiu saudade do
futuro, e ainda lembrou-se, desta vez de Manuel Bandeira, da "vida inteira que
podia ter sido e que não foi”. Ou bien si
peu de choses.
Impresionante Relato, lleno de Profundidad desgarradora.
ResponderExcluirAbraços.
Sempre digo que nas gavetas, caixas e baús descobrem-se muitas vezes tesouros e que do passado não temos saudades, antes temos boas ou más recordações e, talvez, por isso, de quando em vez, meditamos sobre o que podia ter sido, mas sem dúvida que entre o terminar de um dia e o princípio do outro pode abrir-se a oportunidade de saborear o presente.
ResponderExcluirBom fs e um abraço Gilson.
Ola querido amigo,que bom receber tua visitinha....Texto real,saudoso ,que realmente nos faz entrar em nossos baus do passado.Musica :Magnífica.Meu maior abraço.SU.
ResponderExcluirOlá!Gilson
ResponderExcluir"vida inteira que podia ter sido e que não foi”...Nós já sabemos que desejar que pudéssemos mudar o passado é algo inútil, mas como seres humanos que somos, muitos de nós continuaremos a lamentarmo-nos e a ter a esperança de voltarmos a ter a chance de fazer tudo novamente.mas ao permitirmos que a tristeza e desilusão nos engula o prazer da vida, somos obrigados a tê-las conosco durante muito tempo e em alguns casos o futuro que nunca teremos...
Bom final de semana
Abraços
Un abrazo querido amigo.
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ResponderExcluirQue nos leva a guardar 'passados' fechados em caixas no sótão ou no porão?
Que nos leva a subir e a descer escadas, se nos basta abrirmo-nos à memória?
Que nos leva a tocar nas feridas que teimam em não cicatrizar?
Beijinho, Gilson. Acho que vim para desassossegar. :(
Laura
Ouvi dizer, nessa caminhada pela educação, que quem vive de passado é museu. Ao contrário, o seu texto mostra bem o quanto estamos atrelados ao passado, ou pelo menos, à parte dele que mais nos interessou na caminhada da vida...
ResponderExcluirPedazos de amor guardados...
ResponderExcluirMe encanta este relato y la dulzura de la canción.
Toda mi gratitud por compartir y sobre todo por tus amables visitas al blog; un placer tener tú huella.
Abrazos Pilar
Boa noite, Gilson
ResponderExcluirdolorosa e a melancolia, sao como fantasmas de lo bello, do que ja vivimos...
Sabe? eu antes descartaba tudo. Nada valeu a pena para mim, mas desde que a minha vida sofreu importantes perdas siento que preciso salvar objetos, fotografias, papeis... memorias. Intento resgatar o que me fez feliz. Sim, hoje eu mudei, hoje acredito no poder de objetos, mas nao por fetichista, nao; mas porque me refiro ao que eu era. E como nao perder uma conexao, como si, de alguma manera, fantaseo com manter uma ligacao com mis entes queridos que nao estao mais, com situacoes felizes que nao volveram. Acho que se eu me livrar deles perder meu passado definitivamente... ufff, que tocante a sua historia! Bien, ja nao te canso mas com as minhas saudades, jaja.
Um abraco grande.
Amei o texto, uma delícia para ler.
ResponderExcluirGostei da história também.
Adoro seu jeito de escrever.
Beijinhos.
°º✿✿¸.•°✿⊱╮╮
Happy Weekend, Gilson! xo
ResponderExcluirValeu, primo.
ResponderExcluirTermine logo a sua tese de mestrado e começe a escrever ficção - eu sempre soube que você leva jeito pra coisa. Abrçs.