sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Linhas e pios



O horizonte desaparecia, escurecendo, deixando clara a ilusão da fronteira entre o céu e a terra. No meio daquele ermo e da pesada noite que já caía, ouvi o pio de um passarozinho muito miúdo, da cor do chão. Era um sabiá-do-campo e estava pousado num galho seco da sucupira à esquerda da minha janela. Lembrou-me o João-de-barro, pela cor, mas era outro e sozinho. Não podia vê-lo como sombra ou aviso, era apenas a necessidade simples da leveza e da liberdade, o que aquele pássaro me trazia. Por um segundo ou dois trocamos olhares e ele se foi, para nunca mais, porque todos são iguais.

Foto: Imaginário



quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Umbigo do mundo


Sobre o mourão de uma porteira de cercado para bois e vacas,
um dia, há muito tempo, e longe,
foi deixado, sob chuva e
ofertado aos deuses,
por minha mãe
o meu
um
bi
go
se
co
...
..
.

Serra das Araras-MG (Foto: Imaginário)



terça-feira, 6 de novembro de 2012

Prêmio Dardos 2012


Entre surpreendido e contente, recebo do querido blog www.arteseescritas.blogspot.com.br a indicação para compartilhar o Prêmio Dardos 2012.

Este humilde espaço imaginário não se julga merecedor de prêmio algum e gostaria muitíssimo de compartilhá-lo com todos os seus seguidores, esses sim, suas verdadeiras riquezas e motivos para que ele continue existindo. As regras para receber o prêmio estão listadas a seguir e apenas para não quebrar nenhuma delas (especialmente quando se trata da regra 3 !) é que listo os quinze endereços para compartilhar esta distinção.



As regras:

1. Exibir a imagem do selo em seu blog;
2. Lincar o blog pelo qual recebeu a indicação;
3. Escolher outros quinze blogs a quem entregar o prêmio dardos
4. Avisar os escolhidos.
A seguir os meus indicados (e devo dizer que me custou para limitá-los a quinze):


Obrigado, Yayá !!
Grande abraço. Considerei a lembrança também como se me desculpasse pelo sumiço. 

domingo, 4 de novembro de 2012

Casas e moradas


Andrômeda (Fonte: Observatório Astronômico-UFMG)


O que penso, às vezes, é que a vida é viajante e que se hospeda em mim, como se num hotelzinho reles – o que o meu corpo seria só.



Missa das onze e meia

Diamantina-MG (Foto: Imaginário)

31º Domingo do Tempo Comum - Todos os Santos e Santas
04 de novembro de 2012

"E um dos Anciãos falou comigo e perguntou: 'Quem são esses vestidos com roupas brancas? De onde vieram?' Eu responde: 'Tu é que sabes, meu senhor'. E então ele me disse: 'Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro'" (Apocalipse de João 7, 13-14).



domingo, 28 de outubro de 2012

Intuição do instante II



Muito raro é viver hoje
(na verdade, o que seria recomendável).
Mais comum é viver ontem ou amanhã e até depois.

Difícil capturar o momento; intuir o instante.
(Única realidade do tempo: um quase nada).

Dramático mesmo é vi(ver) a volúpia demoníaca do amanhã,
(que consiste na sua vontade inconfessada de não existir:
de ser logo ontem, desde sempre o que nunca foi e jamais será).

Eis o dilema da fotografia: ela captura o instante,
mas o retira do tempo, seu espaço de caminhar.

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Poética

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.”

Vinicius de Morais
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“Maiores vezes, ainda fico pensando. Em certo momento, se o caminho demudasse – se o que aconteceu não tivesse acontecido? Como havia de ter sido a ser? Memórias que não me dão fundamento. O passado – é ossos em redor de ninho de coruja... E, do que digo, o senhor não me mal creia: que eu estou bem casado de matrimônio – amizade de afeto por minha bondosa mulher, em mim é ouro toqueado. Mas – se eu tivesse permanecido no São Josezinho, e deixado por feliz a chefia em que eu era o Urutu-Branco, quantas coisas terríveis o vento das nuvens havia de desmanchar, para não sucederem? Possível o que é – possível o que foi. O sertão não chama ninguém às claras; mais, porém, se esconde e acena. Mas o sertão de repente se estremece, debaixo da gente... E – mesmo – possível o que não foi. O senhor talvez não acha?” 

Riobaldo/Guimarães Rosa, em Grande sertão: veredas






Ilhéus-BA (Fotos: Imaginário)