Muito raro é
viver hoje
(na verdade,
o que seria recomendável).
Mais comum é
viver ontem ou amanhã e até depois.
Difícil
capturar o momento; intuir o instante.
(Única
realidade do tempo: um quase nada).
Dramático
mesmo é vi(ver) a volúpia demoníaca do amanhã,
(que
consiste na sua vontade inconfessada de não existir:
de ser logo
ontem, desde sempre o que nunca foi e jamais será).
Eis o dilema
da fotografia: ela captura o instante,
mas o retira
do tempo, seu espaço de caminhar.
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“Poética
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.”
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.”
Vinicius
de Morais
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“Maiores vezes, ainda fico pensando. Em certo
momento, se o caminho demudasse – se o que aconteceu não tivesse acontecido?
Como havia de ter sido a ser? Memórias que não me dão fundamento. O passado – é
ossos em redor de ninho de coruja... E, do que digo, o senhor não me mal creia:
que eu estou bem casado de matrimônio – amizade de afeto por minha bondosa
mulher, em mim é ouro toqueado. Mas – se eu tivesse permanecido no São
Josezinho, e deixado por feliz a chefia em que eu era o Urutu-Branco, quantas
coisas terríveis o vento das nuvens havia de desmanchar, para não sucederem?
Possível o que é – possível o que foi. O sertão não chama ninguém às claras;
mais, porém, se esconde e acena. Mas o sertão de repente se estremece, debaixo
da gente... E – mesmo – possível o que não foi. O senhor talvez não acha?”
Riobaldo/Guimarães
Rosa, em Grande sertão: veredas