Aquela gruta de Ali-Babá ainda existe, graças a Deus, ainda existia, quando eu disse: - "Abre-te, Sésamo!..." na fralda da serra, e fui entrando, deixando cá fora também o sol, a meio céu, querendo entrar...
Bafio quaternário. O preto da imensa noite, anterior ao mundo, com pesadelos agachados e pavores dormindo elos cantos, enrolados nas caudas de gelatina fria, vem comprimir o peito e os olhos. E ao acendermos as velas e as lanternas, a treva se retrai, como um enorme corvo, das paredes paleozóicas, salitradas. Subterrâneos de Poe, salões de Xerazade, calabouços, algares, subcavernas, masmorras de Luís XI, respiradouros do centro da terra, buracos negros, onde as pedras jogadas não encontram fundo, como pesadelos de um metafísico... Flores de pedra, cachoeiras de pedra, moitas e sarças de pedra, e sonhos d'água, congelados em calcário. Andares superpostos, hierogligos, colunas , estalagmites subindo para estalactites, marulhos gotejando das pontas rendilhadas: - Plein!... ritmos do Infinito... - Plein!... e séculos medidos por milímetros... Não falemos, que as nossas vozes, baças, recuam espavoridas das galerias ressumentes, das reentrâncias de um monstruoso caracol... Rastros de ursos, apeleus e trogloditas, candelabros rochosos, lustres pendentes de ogivas, e a visão de Lund, sorrindo, sonhando com fêmuros de homens primitivos, com megatérios e megalodontges... Mas é preciso sair. Já é hora da noite deslizar para fora da furna, e subir, desenrolando as voltas de píton ciclópico, para encaixar todos os anéis, na altura, com milhões de escamas fosforecendo e o enorme olho frio vigiando...
JOÃO GUIMARÃES ROSA, em Magma, Nova Fronteira, 1997.
A Gruta de Maquiné fica bem do lado da cidade de Cordisburgo-MG e foi muito explorada pelo dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880), que viajou pelo interior do Brasil em pesquisa de campo, deixando muitas informações e largo acervo, com grande peso na paleontologia brasileira.
6º Salão das Fadas
Imagens: schinschof.com e Prefeitura de Cordisburgo.
Digo tola, para evitar constrangimentos de escrever nomes feios que ninguém merece ler. Digo apenas, além da tolice já adiantada, que a Razão anda em muita má companhia. Vou citar apenas um, o dinheiro, que fez e faz uso dela para mascarar a realidade sob as mais diversas formas de cooptação. Claro que é preciso esclarecer que falamos da Razão iluminista, que aceitou título de nobreza, em troca dos serviços a serem prestados à mentira e à enganação. Meu esforço todo deverá servir minamente para mostrar a fragilidade e a insustentabilidade desse discurso da luz. Queria demonstrar o óbvio: onde há luz, há sombra. Na claridade, a escuridão nem se insinua, é ostensiva. Ai do homem sem sombra. Não é mais. Não é por nada que o Diabo quer negociar a sombra do homem: ele quer apenas tudo. Ai do homem sem sombra. É preciso esclarecer esses outros tolos sobre a filosofia romântica. Avancemos nos conceitos e deixemos de ouvir os que querem o romantismo como água e açucar: isso é conversa para adolescente. Um dos aspectos da estética romântica é declarar que o homem é também noturno, misterioso, sombrio. Foi assim desde sempre e assim continuará sendo. Por isso a Razão não se afirma senão à custa da mentira, da ideologia, das armas de fogo, do roubo, do saque e dos modelos de expoliação que engendra. Tem medo do escuro, por isso mata, por isso atira na própria sombra.
Prof. Willi Bolle, em palestra recente, discute narrativas sobre a Amazônia brasileira. Possibilidades de diálogos entre literatura e ciência. O Professor analisa a estética de Dalcídio Jurandir.
Prof. Willi Bolle, em palestra recente, discute narrativas sobre a Amazônia brasileira. Possibilidades de diálogos entre literatura e ciência. O Professor analisa a estética de Dalcídio Jurandir.
O que, exatamente, se formou nesse lugar que chamam Brasil? Digo ainda que, exatamente, nada se formou. Talvez esse advérbio jamais se aplique a este espaço. Acho possível que o Brasil seja o avesso da exatidão. O Brasil é Bizantino, mosaico, múltiplo, mas talvez possamos desconfiar de onde vem a força que anima sua forma em devir.
Queiram me desculpar, mas essa conversa de “centro e periferia” já está para lá de Khandahar. Isso, sim, é uma ideia fora do lugar, digo, do tempo. Para o caso brasileiro ainda resiste uma leitura marxista moribunda, economicista, que acredita piamente (sim, piamente, que se apresenta com mais convicção que no argumento que a fé que o Papa tem Jesus Cristo), que somos a periferia do capitalismo. Nem se fosse periferia geográfica, outro conceito embolorado, que... Tá, vamos lá, de novo, há ainda que dele se utiliza.
Primeiro: há vários centros e não apenas um, o que desmonta de forma absoluta a ideia de centro, ou exige dela completa reescrita. Uma das grandes genialidades do capitalismo foi nunca colocar uma plaquinha na porta da casa, dizendo: “aqui é a casa do capitalista, explorador do trabalho dos homens”. Chega disso. Na periferia, por outro lado, encontro novos “centros” que, por sua vez, geram novas periferias que, bom... Chega.
Segundo: no caso brasileiro, se a ocupação vai da margem, da costa (“periferia”) para o interior, as terras altas (“centro”), esse é um movimento padrão no processo do colonialismo. Até onde eu sei nenhum holandês desembarcou de helicóptero no lugar em está hoje Uganda, no centro da África. Foi pela costa que todos chegaram. O que eu quero dizer é que o “centro”, assim como a “periferia”, são construções ideológicas, para legitimar determinados interesses políticos e econômicos de grupos bem específicos. O que assusta é que os doutores alimentem esse discurso. Não duvido de que muitos até ganhem dinheiro com isso.
Finalizando esse papo mais chato de todos, defendo que, via de regra, o centro de qualquer coisa está no centro dela mesma. São Paulo não é o centro de nada, apenas sendo possível encontrar o centro de São Paulo. Muito menos e da mesma forma para o Rio de Janeiro. Aliás, quanto mais próximo da costa, mais longe do centro da brasilidade. Isso por causa do contato, das trocas, que diluem, criando novas formas. É por isso que no meio do mato se fala a língua de Goethe, ao passo que nas ruas de São Paulo “o que rola é o Hip Hop”. É por isso que no sertão é possível encontrar Antígona, tentando enterrar Polinice, e no Rio de Janeiro se produz telenovela em lata.
O fio que liga o Brasil a Ariadne não passa nem por Ipanema nem pela Avenida Paulista. Tenho certeza de que passa por Abadia de Goiás, pelas pontas dos dedos e das ideias do "Anjo Alecrin".
Difícil demais dialogar. Eis um princípio meu. Talvez seja um traço de família e, se fosse, juro que me sentiria mais apaziguado. Muito mais difícil é tentar dialogar com quem já tem todas as respostas para todas as coisas que quer discutir. Essas pessoas simulam a troca, armam todo um circo para que tudo pareça o mais democrático possível, mas eis que nenhuma ideia “estranha” pode se sustentar ali. O próprio discurso é negado. O autoritário ideológico não percebe, na sua mais douta ignorância, que se nega quando fala. Que se altera diante da cogitação inesperada. O bom de tudo isso é que eu não tenho medo e, o pior, é que eu fico com raiva, embruteço nos argumentos. Não na hora. Na hora me calo e finjo não mais ouvir nenhuma palavra. Abandono a fala toda poderosa do dono do saber. Abandono a conversa a ponto de ser chamado para o debate e não falar. Insisto no silêncio pesado, com o objetivo calculado de que ele seja sentido. E não cedo, não arredo pé do silêncio obsequioso diante de quem tem certezas, de quem acredita que sabe todas as respostas. A minha mensagem para essas pessoas é bem simples: não contracenar. De mim elas não se servirão. Eu, sim, me servirei delas para aproveitar o que eu achar no lixo. Eu sei que posso achar uma rosa no monte de lixo. Eu não quero respostas prontas, quero as minhas construídas. As que me sirvam. Não quero a certeza; quero a dúvida que possa me iluminar. É possível que eu tenha estado este tempo todo a falar de mim mesmo. Não duvido. Duvido, sim, metodologicamente.