Olhei a palma da minha mão e foi lá que – na falta de palavra melhor – vi: a total e imensa escuridão da terra onde nasci. Eu estava no café, como de costume naquele horário. Uma das mãos segurava o jornal; os olhos, segundos antes olhavam fixamente pela vidraça, cuja transparência a chuva havia diminuído.
O homem de bigodes – o homem de bigodes e de chapéu panamá marrom – desce, olhos fixos no chão, e lentamente, a rua estreita. São seis horas e uns tantos minutos da tarde e a chuva fina criava uma superfície brilhante sob as últimas luzes do dia. O homem parecia caminhar sobre um piso envidraçado. Espelho. Na mão esquerda a bengala; a direita, escondida no bolso do paletó preto.
O homem atravessou a rua para a calçada do lado do café onde eu estava e o vi entrar na locadora de filmes. Minha mão; um passado obscuro; jornal; a vidraça... E já o homem saía da loja, levando três ou quatro filmes: não se podia ver com nitidez, pois a noite vinha se adiantando. O homem fez o seu caminho de volta: talvez jamais saberei se levava os filmes para alguém, se ele mesmo a eles assistiria sozinho, se o faria com sua companheira, se teria alguém a esperar por ele em casa. Se voltava para casa ou se se dirige a algum hotel próximo... Talvez.
Instantes depois, eu mesmo saía da locadora, levando para casa, para ver pela primeira vez, filmes a que já eu havia assistido.
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Imagem: Fotografia de German Lorca
Texto: Gilson.