Queria ser bem velho para poder ter visto se
encontrarem e chegarem juntos a Belém os três reis do Oriente. Queria ter sabido como se encontraram. Contento-me em me deixar guiar pela poesia de Sophia.
Queria ser velho, mas muito velho mesmo. Ter
todas as idades para poder ter visto, em campo, jogarem Pelé e Eusébio.
Quero ser mais que velho gagá, ãhã! Quero ficar
um velho gagá, caquético e repetitivo, capaz de contar a mesma estória, para a
mesma pessoa, dezenas de vezes. Para pessoas diferentes, contar-se-ia às
centenas. Ah, ser um ancião. Quero ser translúcido: a luz passaria por mim, sem
refletir, indicando que pouco de material restava. A caquexia será de grande
ajuda: dois terços do que se produz no mundo, hoje, podem ser classificados
como lixo, e eu estaria quase livre de ouvir e ver isso chegar perto dos quatro
quintos. Esse ranço, graças a Deus, já é sinal de que estou envelhecendo. Na
verdade, sempre senti essa nostalgia do Paraíso, que um dia sei que traduzirei
por sonsice de velho. Ou, talvez, poesia. Isto será meu último orgulho. A minha
sonsice de velho me elevará a senhor do meu silêncio, essa centelha divina que
mora em mim e que, ainda jovem, a palavra trai.
Imagens: Google
Texto: Gilson.