sábado, 8 de junho de 2013

De mares, amores, memórias e amoras





Quando eu era jovem, lia jornais quase que diariamente. Mais velho nunca mais ou raríssimamente os leio. Trata-se de um paradoxo, eu sei: gosto dos jornais antigos, com mais 40 anos, ou seja, que não deveriam interessar a mais ninguém, exceto certamente a historiadores e romancistas, e, talvez um ou outro a buscar esta ou aquela informação específica.

Já com relação aos jornais antigos, tudo muda. Ao encontrá-los, sou capaz de dedicar a eles uma atenção desmesurada. Horas e horas fico a ler notícias perdidas no tempo, esgotadas e sem força aparente, desconectadas da linha causal imediata a que estamos acostumados.

Para quem, por outro lado, mais interessado nas imagens produzidas por uma única linha escrita, a relação causal já está de muito superada. Também o tempo relativiza-se ao extremo, desfia-se até o limite da suspensão. Aí não importa mesmo se o jornal é de ontem ou do início do século passado. Queria mesmo era ler um jornal de Constantinopla do dia 18 de janeiro de 1621 ou outro daquela Minsk do século X. Ah, nem gosto de pensar nessas infelizes impossibilidades.

O cineasta espanhol Luís Buñuel era outro que não gostava de ler jornais. Irônico, neste caso, é o fato de ele ter se graduado em História. Acontece, porém, que, conforme revela em seu livro de memórias (Meu último suspiro), escrito já em seu leito de morte, uma das dores que levaria da vida seria o fato de não poder sair do caixão, de vinte em vinte anos, para caminhar até a banca de jornais, comprar uma porção deles e voltar para o túmulo. É verdade que sugere que passaria duas décadas lendo-os.

Este meu texto se alonga sem dizer a que veio. Então, vamos. Ontem, li notícias da Europa, especialmente de Portugal e Letônia. E do projeto de união. Não pude deixar de pensar em Dona Tareja de Leão, Teresa de Portugal. Na Batalha de São Mamede. Na movimentação das famílias e dos interesses de Estado. Não vou falar de Césares, Napoleões, Hítleres nem de outras formas de totalitarismos menos personalizadas... Muito acima disso estão os sonhos de mar do povo português, de suas frequesias, quintas, uvas e amoras. 

O jornal, contudo, não me prende mais que dois ou três minutos e já salto (exigência da minha memória) para Eugénio de Andrade, cujas imagens sofisticadas a memória (dele) me traz, como talvez tenha trazido a ele, assim como a imagem de seu país, logo a ele, tão distante desses movimentos, as imagens “amorosas” das amoras e dos "fundos fundos" (1) de seu Portugal: 

O meu país sabe as amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

(EUGÉNIO DE ANDRADE, em “As amoras”, de O Outro Nome da Terra, 1988).


Oh, meu Deus, lendo palavras assim, de Eugénio, quão longe essas “amoras” e “Portugal” estão dos jornais e de suas notícias urgentes?! Ele mesmo, o poeta, tão distante sempre pareceu estar... E esteve sempre no centro, se não dos acontecimentos, pelo menos daquilo que era relevante: a alma das gentes de qualquer lugar.

(1) Expressão de Riobaldo (Grande sertão: veredas) para indicar o ponto extremo de sua catábase.


Texto e imagem: Gilson, exceto quando a fonte é indicada.



11 comentários:


  1. Ontem vim cá e comentei. Não sei se entrou, pois houve no meu pc uma daquelas paragens inexplicáveis. Por isso, aqui estou de novo. :)

    Também gosto dos jornais antigos, daqueles que nos remetem para uma realidade que, mais pura e menos desvirtuada pelo interesse económico, me fazem provar o olhar do tempo nas letras de tinta, que nos põem os dedos sujos.

    No meu país, as amoras têm sido cada vez mais amargas. Não amadurecem, não por falta do sol ou do azul que o cobre, mas porque à vontade dos homens que o governam é alheia o bom senso, o sentido de Estado, a humildade de reconhecer o erro. Falta sensibilidade perante o esforço e a desgraça e a miséria. Numa palavra, falta aos governantes Humanismo.

    Beijo

    Laura

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  2. Muy buen Texto lleno de Reflexión sobre una Realidad feaciente.
    Abraços.

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  3. Boa tarde, Gilson.
    Adoro tambem ler jornais velhos, porque tenho tanta certeza de que, apesar dos horrores apresentar... continuamos sobrevivendo, essa sí e uma boa noticia! ;) Noto tambem que a desonestidade ea sede de poder sao antigas como a humanidade mesma e que sempre houve ladroes, traidores e enganados, nazistas, fascistas, insanos, "revolucionarios", felizes e amargados, assim como o tango! mas a humanidade resiste. somos fortes, sim. Talvez devido a que tambem sabemos que sempre havera moras, pessoas amables e ceus azuis que restauraram nossa fe e otimismo para viver e reiniciar todos os dias.
    Um grande abraco.

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  4. Oi Gilson
    Acho muito legal esse seu gosto, sinceramente, é um gosto peculiar. Meu irmão por exemplo, prefere ficar horas conversando com o mundo pelo rádio amador do que na internet! São gostos, e gosto não se discute.
    Bjos.

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  5. OI GILSON!
    GOSTO DE FILME DE ÉPOCA, LIVROS DE ÉPOCA, SÓ AINDA NÃO ESPERIMENTEI JORNAIS ANTIGOS, MAS, ACHO QUE IRIA GOSTAR TAMBÉM.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  6. Que esse Dia Dos Namorados
    Seja o mais Feliz da Sua Vida.
    Tomara , que esse Dia tenha reservado
    momentos de eterna felicidade.
    Não importa o Pais onde você esta ou mora
    essa Data deve ser comemorada com amor e muita Paz.
    Na postagem tem um presente é seu pode levar
    ficarei feliz em ver no seu blog.
    Um beijo terno e carinhoso.
    Um abraço pelo Dia consagrado ao amor
    e felicidade.
    Ontem não consegui fazer tudo que eu queria fazer
    por isso estou passando hoje no seu blog com
    muito carinho.Espero deixar
    você feliz com minha visita atrasada..
    Carinhosamente Sua Amiga ,, Evanir..

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  7. É um gosto excêntrico. Imagino quantas preciosidades encontras nessas leituras de tempos passados.

    Tenho por hábito ler o jornal ZH, assim que chego no escritório, enquanto tomo um cafezinho. rs

    Abraços/

    Rosa Mattos
    http://contosdarosa.blogspot.com

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  8. Bom día, para mi a nostalgia, nao é boa, nao gosto de nostalgia....

    para mim solo sirve para sufrir..

    gosto de ser feliz com o que tenemos cada día.. so com isso..

    Un beijinho.. e muito obrigada pela tua visitinha no meu blog.

    Estrella

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  9. Cada exemplar de um jornal velho é um compêndio de História
    relativa à periodicidade do mesmo.O conteúdo dum jornal antigo é abrangente,porque se ocupa de todos os assuntos em
    geral e não tem a pretensão de ser uma narrativa histórica no sentido científico desta. Eu só procuro jornais antigos, quando pretendo obter narrativas de factos ou acontecimentos
    de determinada época ; mas não perco a oportunidade de ler um jornal "velho",sempre que passa junto de mim.
    Quanto às amoras, amoras silvestres de que fala Eugénio de Andrade,não crescem no meu País; sobraram as silvas que o Povo espera que piquem as consciências dos que comeram as amoras.
    Gilson, um abraço amigo do Vitor.

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  10. Olá, Gilson!

    Venho agradecer as palavras que me tens deixado. Reconheço não andar a ser uma 'interlocutora' muito disponível. Tenho andado centrado no eu, enrodilhada na bofetada que recebi e no ter, ainda e apesar de tudo, oferecido a outra face. A essa dor que, por certo, percebeste nos meus textos (antes e pós ato de contrição) acresceu, na outra semana, a física, que adveio de tendões cruzados no braço e que me impediam de estar. Esta, contudo, já está a passar. Desculpa o desabafo.

    Obrigada por tudo, Amigo!

    Beijo

    Laura

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  11. Ola querido amigo,taí uma coisa que nunca fiz.,lêr jornais antigos.....Achei peculiar e interessante .Muito raramente leio alguma revista antiga que normalmente se encontra em consultórios...Meu bem grande abraço.SU

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