Ao entregar a casa ao locador, é preciso consertar, pintar, recolocar e tirar coisas, para devolvê-la a um suposto estado de como era quando foi recebida. Ao desmontar minhas imagens nas paredes, parei todo o serviço diante da fotografia que recortei da National Geographic e colei um dia na parede. Cuidava, a bela foto, da imagem de uma criança paquistanesa numa aula de música. Ali ainda estava ela, à minha frente, pouco acima da telinha do notebook. Sentei-me na velha cadeira.
Cena
na parede
Em frente de mim,
na parede eu mesmo colei
a figura do menino tocando um violino.
Ele está sentado em um banquinho comprido.
Atrás do menino aparece a partitura, num quadro
verde,
da música antiga de que ninguém mais se lembrasse.
Pensei.
Fui eu mesmo que plantei ali a cena:
menino, violino, partitura...
O verde do quadro e o vermelho da camisa.
Na cena, não se pode ver os olhos da criança,
que olham as cordas
– centro que move tudo em volta.
Meus próprios olhos estão girando
ao som do silêncio que criei.
Em seguida, num lance rápido, incalculado, arranquei a fotografia de lá, junto com todo o resto, embolei e joguei no cestinho que a levaria ao lixo, na rua. Restou uma parede de memória, de coisas que, se não vão embora, também não voltam mais.